A moralidade da eutanásia (I)

O capítulo sobre a eutanásia é de uma palpitante actualidade dada a forte pressão social existente a favor da sua despenalização. As duas grandes questões aqui tratadas, “apreciação moral” e “vertente jurídica” vão precedidas de outras duas: uma sobre a necessidade de uma terminologia mais diáfana e coerente que aquela que predominava num passado recente e ainda hoje muito utilizada; outra sobre o conceito de eutanásia.
1 – Clarificação da terminologia
É comum aceitar-se que existe alguma confusão na linguagem quando usamos o termo eutanásia; por isso, está-se a tentar conseguir um modo de expressão menos confuso.
a) Linguagem confusa
O diálogo acerca das intervenções clínicas referentes ao términus da vida humana é frequentemente pouco diáfano. Para isso contribui, em boa parte, a linguagem utilizada para as designar. Acções muito diferenciadas, do ponto de vista médico, moral e jurídico, são englobadas num único substantivo: eutanásia; por isso, não se deve estranhar a confusão reinante.Por um lado, a Medicina prolonga algumas vidas sem cuja ajuda se teriam apagado muito antes. Por outro, deixa de prolongar outras porque carecem de sentido. Existem também tratamentos farmacológicos contra a dor que, com efeitos secundários, podem apressar a morte. Há ainda quem peça aos médicos para porem fim directamente a uma vida em grande sofrimento, quando não é o próprio médico a colaborar com o doente num suicídio. Ora, o chamar eutanásia a uma gama tão variada de situações não ajuda à clareza de comunicação. Para se evitar a ambiguidade terminológica, acrescentaram-se alguns binómios adjectivais, como eutanásia activa/passiva, directa/indirecta, positiva/negativa, voluntária/involuntária, etc. Destes quatro binómios, os mais importantes são o primeiro e o quarto. Mas, mesmo assim, ainda não se conseguiu dissipar a ambiguidade da linguagem. Para o comprovar, basta assistir a qualquer debate sobre eutanásia ou ler textos sobre o tema.
Os termos que predominaram no passado, embora não exclusivamente, foram os seguintes: eutanásia activa, que consistia em causar a morte a um ser humano para que este não sofresse, e eutanásia passiva. Esta tinha tinha um significado mais heterogéneo. Costumava abranger dois tipos de intervenções: o uso de analgésicos que, secundariamente, encurtavam a vida, e o não-prolongamento da existência através de meios artificiais extraordinários. A eutanásia passiva, assim entendida, não apresentava problemas morais e era praticada habitualmente pelos médicos.
b) Como evitar a confusão
Na procura da clareza terminológica, existem uns pontos comummente aceites e outros que não se impõem de uma maneira tão absoluta. Há muita gente de acordo na necessidade de se empregarem substantivos ou expressões diferentes para as diversas situações em torno do final da vida. Isso levar-nos-ia à eliminação de alguns binómios de adjectivos como activa/passiva, directa/indirecta, positiva/negativa. Está cada vez mais estendida a opinião daqueles que pretendem reservar o uso do termo eutanásia, sem mais adjectivação, ao facto de se causar a morte a uma pessoa para que ela não sofra. Já não se é, porém, tão concordante quando se trata de determinar as situações englobadas na designada eutanásia passiva. A corrente mais aceite pretende uma linguagem mais descritiva e mais diáfana. Em vez de se falar de eutanásia passiva, poderia falar-se, simplesmente, do uso de analgésicos, expressão mais inteligível por todos e que não necessita de grandes explicações. O não-prolongamento da vida por falta de tratamento é também mais compreensível que eutanásia passiva, mesmo quando, com semelhante terminologia, continuem sem dissipar-se todos os pontos obscuros. Opta-se por esta linguagem mais descritiva devido à confusão que gera a linguagem do passado. Alguns autores fazem uma nova proposta de terminologia. Estando de acordo em chamar simplesmente eutanásia à antes denominada eutanásia activa, introduzem, para as outras acções, novos vocábulos, como sejam: distanásia, adistanásia, ortotanásia. A distanásia (obstinação terapêutica) é o prolongamento da vida quando ela já não tem sentido. A adistanásia é o não prolongar a vida nessas condições. A ortotanásia é mais ou menos equivalente a morte digna, a morte nas devidas condições. Estes termos têm um uso limitado a alguns autores de países latinos e não é de esperar a sua difusão futura. A experiência prova que, para a maior parte do público, a confusão gerada por estes é talvez ainda maior do que a originada pela terminologia habitual.
Francisco Javier Elizari, “Questões de Bioética”, Editorial Perpétuo Socorro
Blogue em http://paginasdefilosofia.blogspot.com
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