Acções voluntárias e involuntárias

Sendo a excelência constituída a respeito das afecções e das acções, havendo louvores e repreensões apenas relativamente a acções vo­luntárias – porque relativamente a acções involuntárias, às vezes há perdão, outras vezes compaixão -, é necessário, talvez, para quem pretende examinar os fenómenos que concernem a excelência, defi­nir-se a acção voluntária e a acção involuntária, definição de resto também útil aos legisladores não só para a atribuição de honras como também para a aplicação de castigos.

Involuntárias são, assim, aquelas acções que se geram sob coac­ção ou por ignorância. Um acto perpetrado sob coacção é aquele cujo princípio (motivador) lhe é extrínseco. Um princípio desta na­tureza é tal que o agente, na verdade, passivo, não contribui em nada para ele. Como se ventos ou homens poderosos o levassem para qual­quer sítio. Mas determinar se as acções praticadas por medo de males maiores ou em vista de algo glorioso – por exemplo, se alguém se vê obrigado a praticar um acto vergonhoso por um tirano que ameaça de morte os seus pais e filhos, mantidos reféns, e ao mesmo tempo promete salvá-los, se a ordem for executada – são acções involun­tárias ou voluntárias envolve controvérsia. Uma situação deste género acontece, por exemplo, quando no meio de tempestades se tem de deitar a carga borda fora. Porque ninguém a deitaria ao mar assim sem mais, voluntariamente, mas apenas com o objectivo de se salvar a si e aos restantes. Acções deste género são mistas, embora, de facto, pareçam mais ser voluntárias. Na verdade, são escolhidas no mo­mento em que são praticadas e o fim da acção é determinado de acordo com a ocasião e a oportunidade do momento. As caracterís­ticas do ser «voluntário» e «involuntário» só podem ser determinadas em função do tempo em que a acção é executada. Ora só quem se encontra em determinadas circunstâncias é que age, de facto, voluntariamente. Isto é, quando tem em si próprio o princípio (motivador) da acção, accionando assim os elementos instrumentais da acção. Quando o princípio motivado se encontra no próprio agente, é dele que depende o serem levadas à prática ou não. Acções deste género são, pois, voluntárias, mesmo que resultem da força das circunstân­cias. Ainda assim, podem, por outro lado, ser consideradas involuntá­rias, porque, noutras circunstâncias, ninguém teria decidido levá-las à prática. (…)

Quais são, então, os tipos de acções que dizemos ser realizadas sob coacção? São absolutamente por coacção todas aquelas acções que tem o seu princípio em circunstâncias extrínsecas ao agente, sem que este contribua em nada no que quer que seja para as levar à prá­tica. Por outro lado, há acções que são em si mesmas involuntárias, mas que numa dada circunstância são preferidas em detrimento de outras, isto é, o princípio da sua acção encontra-se no agente. Tais acções são em si mesmas absolutamente involuntárias. Contudo, como naquelas circunstâncias particulares, são preferidas em detri­mento de outras, são levadas à prática voluntariamente.

 

Aristóteles, Ética a Nicómaco, tr. António Caeiro, Quetzal Editores, 2004, 59-60 (1109b30 – 1110a20)
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