A Didática da Filosofia é muitas vezes encarada com alguma sobranceria, não faltando autores que consideram que a Filosofia contém em si a sua própria didática. Não é essa a minha perspetiva. Concedo que existem alguns métodos filosóficos que impliquem que as abordagens didáticas tenham em conta a estrutura própria de cada obra, muitas vezes particularizada em cada autor. Por exemplo, em Sócrates / Platão encontramos o método dialógico (ou socrático), na tradição escolástica praticava-se a disputatio, em autores como Santo Agostinho, Descartes ou Marco Aurélio surge a confissão ou solilóquio, Marx e Hegel utilizavam o método dialético, Habermas e Adorno praticavam o método crítico, em Foucault temos o método arqueológico, Althusser e Kolakovsky fazem a “leitura sintomática”, em Wittgenstein temos o método analítico, etc. Mas é necessário esclarecer que estes são métodos filosóficos, e não pedagógicos; a linguagem própria de alguns destes autores obriga-nos a ler a filosofia destes autores como condição para penetrar nesse mesmo universo conceptual.
Ora, tais métodos não constituem métodos pedagógicos, não são técnicas didáticas e não são modelos pedagógicos.
Um modelo pedagógico é um sistema estruturado de teorias da aprendizagem e metodologias de ensino. Podem ser tipificados de acordo com diferentes critérios: por exemplo, podemos considerar que existem modelos centrados no professor, no aluno ou nos meios (tecnologia); outra tipificação consiste em considerar a existência de modelos psicopedagógicos, sociopedagógicos, ideológicos ou religiosos; por fim, uma abordagem mais comum, encontramos designações como tradicional, comportamentalista, construtivista, Montessori, Freiriano, Waldorf, etc.
Métodos pedagógicos são formas de organização das aprendizagens que se estruturam de forma a permitir que os alunos aprendam da melhor maneira possível. É possível conceber métodos que decorrem dos modelos pedagógicos, pelo que o mesmo professor pode utilizar métodos distintos correspondentes a modelos distintos. São vários os métodos possíveis: expositivo, demonstrativo, interrogativo e os métodos ativos. Mais uma vez, a tipologia de métodos pedagógicos depende dos critérios utilizados, pois podem ser caraterizados em função do papel do professor, do papel dos alunos, do tipo de finalidades, objetivos e competências a adquirir.
Restam-nos as técnicas didáticas, que são as aplicações dos princípios pedagógicos, para termos uma definição simples e operatória. Como exemplos de técnicas didáticas temos a exposição, o trabalho de grupo, brainstorming, mapas mentais, resolução de problemas, estudo de caso, mesa redonda e debate, etc.
Contudo, não pretendo elencar métodos filosóficos decorrentes do universo próprio de cada autor, mas sim considerar neste artigo a bibliografia acerca de algumas técnicas didáticas que são próprias da Filosofia, tais como a lição, a dissertação e o ensaio, o comentário de texto e os trabalhos de grupo, apesar de existirem muitas outras estratégias que podem ser utilizadas: construção colaborativa de glossários, mapas conceptuais e mapas de argumentos, fóruns de debate, simpósios, construção de infográficos / pósteres científicos, construção de outros artefactos digitais, como galerias virtuais (para a Filosofia da Arte, por exemplo), etc.. Não será neste artigo que vou desenvolver tais estratégias didáticas, pois o meu objetivo é apenas contextualizar a lista de referências bibliográficas que me parecem importantes para qualquer professor de Filosofia.
A lista que se segue é apenas uma escolha pessoal e não esgota a imensidão de livros e artigos que existem sobre o assunto. Optei por seguir a ordem alfabética:
- Aires, M. (2014). A utilização de mapas conceptuais como método pedagógico para uma aprendizagem significativa em filosofia no Ensino Secundário. Disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/77242. Trata-se de uma dissertação de mestrado acerca da utilização de mapas conceptuais em Filosofia. Inclui exemplos práticos.
- Almeida, A. & Costa, A. P. (2002). Avaliação Das Aprendizagens Em Filosofia – 10.º/11.º anos. Sociedade Portuguesa de Filosofia – Centro para o Ensino da Filosofia. Disponível em https://pt.slideshare.net/airesalmeida5/avaliacaodas-aprendizagens-em-fil-10-e-11 Um dos mais interessantes textos acerca da avaliação em Filosofia, especificando as competências filosóficas. Fundamental.
- Cahn, S. 2019). Ensinar Filosofia. Lisboa: Gradiva. Não se trata de um livro sobre Didática da Filosofia, mas apresenta indicações preciosas sobre o que se deve fazer nas aulas de Filosofia. Foi pensado para alunos de cursos superiores.
- Costa, A. P. (2004). Avaliação: como avaliar o aprender a (competências) e o aprender que (conteúdos)?. Disponível em https://pt.scribd.com/document/56013796/APCosta-avaliacao. Texto muito interessante sobre o ensino de Filosofia:conteúdos e competências.
- Ferreira, M. (coord.) (2012). Ensinar e Aprender Filosofia num Mundo em Rede. Lisboa: CFUL. Conjunto de quatro livros do CFUL sobre o ensino de Filosofia.
- Miranda, L. & Morais, C. (2009). Mapas conceptuais como estratégia de ensino e aprendizagem. Disponível em
https://bibliotecadigital.ipb.pt/bitstream/10198/1630/1/AA2009_MapasConceptuaisEstrategiaEnsinoAprendizagem.pdf . Artigo sobre a utilização de mapas conceptuais com uma ferramenta online muito simples: CMap Tools - Morais, M. T.; Dominguez, C.; Lopes, J. P. & Silva, M. H. (2015). O ensino de competências argumentativas em filosofia através do método controvérsia construtiva, In Dominguez, Caroline et al. (Eds.), Pensamento Crítico na Educação: Desafios Atuais. Vila Real: UTAD. Uma metodologia de trabalho inovadora que deve ser seguida com muita atenção. A Professora Teresa Morais fez um webinar para a Associação de Professores de Filosofia muito interessante sobre este assunto.
- Murcho, D. (2003). Renovar o ensino da Filosofia. Lisboa: Gradiva. Conjunto de textos organizado por Desidério Murcho para o Centro para o Ensino da Filosofia da SPF.
- Rudisill, J. (2011). Teaching Philosophy – The Transition from Studying Philosophy to Doing Philosophy. Disponível em https://www.pdcnet.org/8525737F00588478/file/872C17FB760DD408852578D900477BD4/$FILE/teachphil_2011_0034_0003_0049_0079.pdf . Artigo de John Rudisill sobre como ensinar Filosofia.
- Tozzi, M. (s/d). Une approche par compétences en philosophie?. Disponível em http://www.cairn.info/revue-rue-descartes-2012-1-page-22.htm. Um dos textos clássicos de Michel Tozzi sobre as competências em Filosofia.
- Vicente, J. N. (1992). Subsídios para uma didática comunicacional no ensino-aprendizagem de Filosofia, in Revista de Filosofia da Universidade de Coimbra. Disponível em https://www.uc.pt/fluc/dfci/publicacoes/subsidios_para_uma__didactica
- Vicente, J.N. (2005). Didáctica da Filosofia. Apontamentos e materiais de apoio às aulas. Coimbra. Trata-se de uma sebenta de textos e materiais utilizados pelo Professor Joaquim Neves Vicente nas suas aulas da Universidade de Coimbra. Julgo que não existirá como livro oficialmente publicado, mas é uma das melhores obras que conheço. Eis alguns dos conteúdos: educação e ensino da Filosofia; metodologias do trabalho filosófico; projetos de intervenção pedagógica (planificação didática); a avaliação em Filosofia. Fundamental.
- Worley, P. (2019). A máquina dos Ses. Lisboa: Edições 70. Trata-se da tradução portuguesa do excelente “The If Machine” de Peter Worley. Não é propriamente um livro de Didática da Filosofia, mas contém 30 lições de Filosofia para crianças que podem ser adaptadas (nos conteúdos ou na metodologia) para o ensino secundário.