Vários bispos e fiéis católicos da França manifestaram não estar de acordo
com a excomunhão da mãe que permitiu a realização do aborto da filha de
nove anos estuprada pelo padrasto em Pernambuco.
O monsenhor Norbert Turini, bispo de Cahors (sudeste), afirmou compreender
a indignação causada pela excomunhão. "Por que acrescentar severidade a
tanto sofrimento?", questionou, em um comunicado.
"Eu defendo e defenderei sempre a dignidade e o respeito à vida desde sua
origem até seu término", acrescentou.
Em seguida assegurou que a mãe e sua filha "são e sempre serão amadas pelo
Deus de Jesus Cristo que nós chamamos de Nosso Pai".
Por sua parte, o monsenhor Yves Patenôtre, em nome da Missão da França,
considera "inaceitável a decisão abrupta de excomungar".
"Claro que o aborto é um ato de morte. Inscreve-se na carne das mulheres
que viveram feridas que jamais se fecharão. Mas como pode, ante semelhante
drama, a Igreja ter se expressado para julgar e condenar ao invés de
mostrar compaixão e reconduzi-las para a vida?", escreveu em um comunicado.
"Esta excomunhão não leva em conta nem o drama vivido, nem o perigo físico
e moral que esta menina corrida. Nós dizemos isso energicamente a todos
que se sentem perturbados, não nos reconhecemos nesta medida e pedimos que
seja levantada o quanto antes possível", acrescentou.
O monsenhor Pierre d'Ornellas, arcebispo de Rennes (norte) e chefe do
grupo de trabalho episcopal sobre a bioética, afirmou, ao jornal La Croix,
que "é sempre a bondade que deve ser manifestada".
Por outra parte, La Croix publica várias cartas de leitores que também
manifestam sua falta de compreensão em relação à decisão tomada pelo
Vaticano. "Por que a Igreja fala somente de excomunhão e jamais de
compaixão?", pergunta um deles.
Em declarações publicadas no sábado passado ao jornal italiano La Stampa,
o cardenal Giovanni Battista Re, prefeito da Congregação para os Bispos,
justificou a excomunhão afirmando que os gêmeos que a menina de 9 anos
havia concebido na relação com o padrasto "tinham o direito de viver".
Na entrevista, Re – que também é presidente da Pontifícia Comissão para a
América Latina -, declarou: "é um caso triste, mas o verdadeiro problema é
que os gêmeos concebidos eram duas pessoas inocentes que também tinham o
direito de viver, e não podiam ser suprimidos".
O arcebispo de Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, anunciou a excomunhão da
mãe da menina, que estava na 15ª semana de gestação de gêmeos, concebidos
durante o estupro praticado por seu padrasto.
Além da mãe, os membros da equipe médica que realizou a cirurgia também
foram excomungados.
"Devemos sempre proteger a vida, o ataque contra a Igreja brasileira é
injustificável", estimou Re.
"A excomunhão para aqueles que praticaram o aborto é justa", já que a
operação constitui "sempre a supressão de uma vida inocente", afirmou.
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente o
bispo de Recife pela decisão de excomunhar a mãe da menina.
"Como cristão e como católico, lamento profundamente que um bispo da
Igreja católica tenha um comportamento conservador como este", declarou
Lula.