57% dos 321 casais franceses que abdicaram de usar embriões para futuras gravidezes optaram pela sua destruição
Quando os casais com problemas de fertilidade recorrem a técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA), como é o caso da fertilização in vitro, por vezes nem todos os embriões são usados. Há por isso embriões excedentários congelados em centros de todo o país. Estes casais vão agora ser confrontados com a escolha: ou os dão para investigação ou doam-nos para outros casais com problemas.
A lei portuguesa é recente e só desde a sua criação (Julho de 2006) se prevê o destino de embriões excedentários, mas a sua regulamentação só veio em Fevereiro deste ano. Acontece que muitas das clínicas têm mais de dez anos de existência e “não sabiam o que lhes fazer”, lembra Madalena Barata, responsável do Centro de Medicina da Reprodução do British Hospital, em Lisboa. Perante o vazio legal, “as clínicas cautelosamente aguardaram pela lei e têm os embriões guardados”. Segundo a Associação Portuguesa de Infertilidade, existem 18 clínicas de procriação medicamente assistida e 10 centros públicos.
Alberto Barros, um dos precursores da PMA em Portugal e professor catedrático da Faculdade de Medicina do Porto, afirma que este “é um problema de todas as clínicas porque não havia destino claro a dar aos embriões”, e isso acontece tanto no sector privado como no público. Na legislação portuguesa define-se, antes de mais, que estes embriões devem ser usados pelo casal para novas gravidezes no espaço de três anos. Ultrapassado este prazo o casal terá que escolher o destino a dar-lhes: a doação para outros casais ou a investigação, sendo que a lei considera que esta é lícita se os embriões tiverem como objectivo, por exemplo, a criação de bancos de células estaminais para transplantação ou outras finalidades terapêuticas.
Alberto Barros lembra que do ponto de vista científico não há limites para o prazo máximo de congelação de embriões. “Há crianças nascidas com embriões de mais de dez anos”. O especialista, que é dono de uma clínica de PMA no Porto, não tem conhecimento de investigação sobre embriões realizada em Portugal, até porque desde a entrada em vigor da nova lei têm que ter o aval do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, órgão do qual faz parte. Quanto à doação, nunca conheceu casais que o tenham feito. Contrariamente a outras legislações, “há um vazio” no que toca à possibilidade de [os embriões] serem destruídos”.
A política da instituição privada onde Madalena Barata trabalha define que, por norma, os embriões são para ser conservados para uso dos próprios casais, caso decidam ter mais filhos no futuro. À parte destas situações, a obstetra nota que estes casais vão agora ter que optar, por imposição da lei. O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida informou já as clínicas que está para breve uma declaração de consentimento informado que vai ter que ser usada em todos os centros para pedir aos casais que escolham o destino dos seus embriões congelados, diz Madalena Barata.
Em muitos países a escolha do destino a dar a embriões excedentários já se coloca há muito tempo. No último Encontro Anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia, no ano passado, houve pelo menos quatro estudos sobre o tema. Num deles, em França, a maior parte dos 1338 casais inquiridos escolheu guardar os embriões para futuras gravidezes. Dos 321 que abdicaram de os usar para este fim, a destruição (57 por cento) foi o primeiro destino escolhido, seguido da investigação (29,5 por cento), em último lugar surgiu a doação a outros casais com problemas de fertilidade (13,5 por cento). A menor inclinação para a doação (cinco por cento) repetiu-se num outro estudo, australiano.
Publicado originalmente no jornal Público, sem link a 25 de Março de 2008
Primeiro, a classificação de “clonagem” dada por este site não parece aplicar-se ao tema do artigo do jornal Público sobre embriões de tratamentos de fertilidade (que são criados sem qualquer recurso a clonagem).
Principalmente, todos concordarão que o primeiro objectivo dos casais com problemas de fertilidade é gerar e criar o seu filho.
Mas tal não invalida outras preocupações como as que são expostas no artigo, por exemplo, quanto aos embriões excedentários.
Duma forma simplificada, poder-se-á dizer que os embriões excedentários existem principalmente para minimizar o risco para a saúde da mulher.
Se em cada tratamento de fertilização in-vitro são fecundados vários óvulos, são-no, entre outras razões, para minimizar as intervenções cirúrgicas de extracção de óvulos e os processos farmacológicos de estimulação ovárica, que comportam sempre risco para a saúde da mulher.
Posto isso, deveria ficar claro que as razões médicas de protecção da mulher, que induzem à criação de embriões excedentários, não deveriam conduzir à doação forçada (veja-se a contradição dos termos) dos embriões do casal que não os puder usar em futuras gravidezes.
Ora a lei de 2006 autoriza dois destinos para os embriões, sob certas condições, que antes estavam tacitamente vedados dadas as complicações de ordem ética: a doação de embriões e a investigação médica.
A lei agora autoriza-os usando o termo “pode”.
Subentende-se, pelas regras da “legística” (consultar a Presidência do Conselho de Ministros), que, se a lei quisesse apenas autorizar aqueles dois destinos dos embriões, utilizaria o termo “é” (ex.: “Os destinos para os embriões são: A ou B”) ou, como antigamente se usava nas leis, “deve”.
Deveria ser claro que uma lei tão desejada pelos casais com problemas de fertilidade não poderia aproveitar-se da situação de extrema fragilidade desses mesmos casais para os forçar à aceitação dum objectivo perverso, o da doação forçada dos seus embriões.
A lei é clara no destino óbvio e , claro, prioritário, a gravidez.
É também clara nos dois novos destinos autorizados: a doação voluntária e a investigação médica.
No entanto, ao ser omissa quanto ao segundo destino óbvio, a destruição dos embriões excedentários do casal (findas as hipóteses de projecto parental do casal dos embriões e por escolha destes), constata-se, como se lê no artigo, que esta tem permitido interpretações abusivas.
Parece interessar que esta situação seja clarificada prevenindo futuros apetites de apropriação, porventura legal mas ilegítima, por outrem dos embriões dos casais.
Por fim, devendo esta questão ser bem esclarecida, urge principalmente que seja rapidamente aplicado o investimento prometido pelo Governo para o aumento de capacidade do sistema nacional de saúde na procriação medicamente assistida.
Os muitos casais que há muitos anos lutam pelo seu bebé merecem poder criar os seus filhos. Não parece ser pedir demais…
Logo,
Agradeço a correcção. Efectivamente, uma coisa são as várias técnicas de reprodução medicamenmte assistida, como o fertilização in vitro, referida no teor desta notícia; outra, bem diferente, é a clonagem.
No entanto, convirá esclarecer que a clonagem é um processo que antecede uma fertilização in vitro, pelo que o problema substancial – os embriões excedentários – se mantém.
Quanto às técnicas de reprodução assistida e, consequentemente, da clonagem reprodutiva, penso já ter deixado claro noutros posts que sou favorável ao seu desenvolvimento e legalização.
Sérgio Lagoa