«A vida do homem forma um ‘todo’, de tal modo que cada um dos nossos actos leva em si o peso de toda a vida. Nos primeiros anos todas as perspectivas estavam abertas e o número de possibilidades era praticamente ilimitado. À medida que, depois, vamos preferindo possibilidades e realizando-nos, vamos também conformando a nossa vida segundo uma orientação e deixando atrás, fechadas ou pelo menos abandonadas, outras possibilidades. (…) Deste modo o campo da acção plenamente livre vai-se estreitando a medida que a vida passa. A nossa liberdade actual está condicionada pela história da nossa liberdade, anterior a essa decisão que queríamos tomar agora e que talvez não possamos tomar. (…) Comprometida pelas suas decisões anteriores, mas também pelas tendências profundas, pelas paixões. E também pelos dotes a cada um dados. Neste sentido é necessário rectificar o que à pouco dizíamos: o homem está sempre limitado, mesmo nos seus primeiros anos de vida, antes que tenha começado a tomar decisões e tenha começado a dar forma à sua vida; está limitado pela sua constituição psicobiológica.
O condicionamento da liberdade pela vida é, pois triplo: condicionamento psicobiológico, ‘naturalização’ da liberdade, pois esta não é a despedida da natureza, mas emerge precisamente da natureza; condicionamento pela situação; agora já não está nas minhas mãos dar à minha vida uma orientação perfeitamente possível há vinte anos. A situação concreta rouba-nos uma porção de possibilidades e impõe-nos um conjunto de deveres iniludíveis. Cada homem podia ter sido muito diferente do que é, mas passou já a oportunidade para que tal acontecesse. E, finalmente, em terceiro lugar, condicionamento pelo habitus. Os hábitos que contraímos restringem a nossa liberdade, impelem‑nos para estes ou aqueles actos. (…)
A natureza, o hábito e a situação cerceiam de modo triplo a nossa liberdade actual. Podem chegar a anulá-la? Não. A liberdade está inscrita na natureza, mas em maior ou menor medida – mas nem todos os homens dispõem de igual força de liberdade, de igual força de vontade – transcende-a sempre. E é justamente neste ser transnatural que consiste ser homem.»
ARANGUREN, José Luis, Ética, Madrid, Alianza Editorial, 1985.