O médico deve “guardar o respeito pela vida humana desde o momento do seu
início”, mas pode agora recorrer ao aborto para “preservar” a vida da
grávida, segundo o Código Deontológico da profissão publicado terça-feira
em Diário da República.
O mesmo documento da Ordem dos Médicos (OM) refere que o “uso de meios
extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou continuado
contra a vontade do doente”, explicitando não se considerarem como “meios
extraordinários” a hidratação e a alimentação.
Ao médico fica “vedada a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia”.
O Código Deontológico anterior referia que “constituem falta deontológica
grave quer a prática do aborto quer a prática da eutanásia”.
No artigo 56.º do documento agora publicado, referente à interrupção da
gravidez, lê-se que o respeito pela vida humana “não impede a adopção de
terapêutica que constitua o único meio capaz de preservar a vida da
grávida ou resultar de terapêutica imprescindível instituída a fim de
salvaguardar a sua vida”.
A actual lei, cuja regulamentação entrou em vigor a 15 de Julho de 2007,
permite a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) até às dez semanas.
Sobre a morte, é referido que o suporte artificial de funções vitais deve
ser “interrompido após o diagnóstico do tronco cerebral”, exceptuando as
situações para colheita de órgãos para transplante.
Os meios “extraordinários” para manter a vida devem ser interrompidos nos
“casos irrecuperáveis de prognóstico seguramente fatal e próximo, quando
da continuação de tais terapêuticas não resulte benefício para o doente”,
e sempre de acordo com a vontade do doente.
A hidratação e a alimentação, mesmo quando administrados artificialmente,
“não se consideram meios extraordinários da vida”, assim como a
“administração por meios simples de pequenos débitos de oxigénio
suplementar”.
Quanto à objecção de consciência (“o médico tem o direito de recusar a
prática de acto da sua profissão quando tal prática entre em conflito com
a sua consciência, ofendendo os seus princípios éticos, morais,
religiosos, filosóficos ou humanitários”), o documento impõe novos
procedimentos, sublinhando que “deverá ser comunicada à Ordem, em
documento registado, sem prejuízo de dever ser imediatamente comunicada ao
doente ou a quem no seu lugar prestar o consentimento”.
Segundo o novo Código, “a objecção de consciência não pode ser invocada
quando em situação urgente e com perigo de vida ou grave dano para a
saúde, se não houver outro médico disponível a quem o doente possa
recorrer”.
O novo Código Deontológico, aprovado a 26 de Setembro de 2008, surge
depois de um ‘braço-de-ferro’ entre o antigo ministro da Saúde Correia de
Campos e a Ordem dos Médicos (OM).
Depois da aprovação da lei do aborto, a tutela insistiu na alteração do
artigo 47.º do Código Deontológico dos médicos por contrariar as novas
regras legais.
A OM, por seu lado, chegou a apelidar de “ideia louca” e “abusiva” a
alteração exigida pelo ex-ministro e referir que a intervenção da
Procuradoria-Geral da República (PGR) foi no sentido de “não
aplicabilidade”.
Chamado a dar parecer, o Conselho Consultivo da PGR considerou, em Outubro
de 2007, que o Código devia ser alterado por violar a lei referente à
prática do aborto e à sua sanção disciplinar.
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=1071188