Ideias para interpretar «2001 – Uma odisseia no espaço»

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2001 Odisseia no espaço
2001 Odisseia no espaço

O filme abre com um trecho musical de Richard Strauss [1]  intitulado «Assim falou Zaratustra» e inspirado na obra poético-filosófica com o mesmo nome de Nietzsche. Esta obra filosófica caracteriza-se pela defesa de uma nova humanidade, isto é, de uma nova forma de ser homem. Por isso, Nietzsche fala de um super-homem que é o novo homem, diferente do homem actual cheio de vícios e defeitos. Para esse super-homem surgir é necessário eliminar o antigo homem e destruir todos esses vícios e defeitos. A música de R. Strauss tenta representar a ascensão desse super-homem. Stanley Kubrick ao utilizá‑la na abertura procura associar as suas imagens a essa ideia de transformação em algo melhor.

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O filme começa na pré-história. Esta ideia de transformação, de evolução aparece‑nos na descoberta de ferramentas. Os hominídeos descobrem que podem utilizar os ossos de animais como ferramentas para executar diversas tarefas.

Representação Lego do Monólito
Representação Lego do Monólito

No entanto, essas ferramentas permitem também matar mais facilmente. A sequência final desta parte em que dois grupos de hominídeos se guerreiam e um deles mata um adversário com um osso representa o lado nefasto de qualquer evolução ou transformação. A música de Strauss retorna salientando a nova etapa da evolução humana. Esta primeira parte do filme tem outro facto importante: o aparecimento de um monólito (um paralelepípedo de mármore negro) junto do grupo de hominídeos. O filme parece insinuar que é o contacto dos hominídeos com ele que os desperta para a utilização dos ossos como ferramentas.

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O osso atirado ao ar na pré-história cede lugar às naves espaciais do ano 2001. Uma valsa de Johann Strauss («Danúbio Azul») serve de pano de fundo à apresentação do novo contexto do filme e dos desenvolvimentos que o homem conseguiu em milénios de evolução. Parece transmitir uma tranquilidade que será abalada (ao som do Requiem de Ligeti) pelo aparecimento de um novo monólito na lua. A sua descoberta prova pela primeira vez a existência de vida extraterrestre. No entanto, não fornece nenhuma pista sobre a sua origem ou significado. Inesperadamente, este estranho objecto começa a emitir um sinal direccionado ao planeta Júpiter.

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Dezoito meses depois encontramos a nave destacada para investigar Júpiter na procura do receptor daquele misterioso sinal. Aqui entramos propriamente no assunto que nos interessa directamente: A inteligência artificial.

O filme não aborda a questão da possibilidade de se construir uma Inteligência Artificial. Levanta apenas um dos possíveis problemas que podem surgir quando isso for possível (se for possível): como enfrentam essas inteligências artificiais a angústia da não‑existência? E esta questão implica uma mais vasta: serão essas Inteligências Artificiais seres humanos?

A nave possui o computador mais avançado do momento HAL9000, capaz de imitar na perfeição e sem qualquer erro quase todas operações mentais de um ser humano. Será HAL9000 um ser humano?

Apesar de infalível, HAL9000 co2001-hal9000mete um erro – indica uma falha num sistema que se verifica não possuir nenhuma. Após este erro David Bowman e o seu colega começam a considerar a hipótese de o desligar. Apesar desta hipótese ter sido abordada pelos dois dentro de uma cápsula insonorizada e independente do HAL9000, «ele» lê nos lábios deles a conversa que estão a ter e começa a eliminar a tripulação antes que eles o desliguem.

A questão filosófica aqui é esta: como é que um comportamento assassino pode surgir num computador que não foi programado para eliminar seres humanos, mas sim para os ajudar na realização de tarefas complicadas?

O que o filme não diz explicitamente, mas sugere, é que o novo aparecimento de um monólito desperta no computador HAL9000 capacidades novas tipicamente humanas tais como a mentira, a ilusão, o assassínio, o medo da morte, o erro, etc.

HAL9000 torna‑se um assassino, tal como o hominídeo que lutava contra outro hominídeo pelo domínio de um território. HAL9000 torna‑se humano nos seus pensamentos e sentimentos. Sente medo de morrer quando Bowman (nome também ele irónico pois significa arqueiro, ou atirador de flecha – uma arte guerreira) consegue regressar à nave e o começa a «desligar». Implora pela «vida». Arrepende‑se e pede perdão. Ou mente para se salvar perante a proximidade do vazio, da não existência.

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A sequência final já perto de Júpiter quando Bowman encontra um outro monólito é bastante enigmática. Bowman envelhece até morrer e renascer de novo. Podemos ler esta sequência ao som de «Assim falou Zaratustra» e de Nietzsche – para o super‑homem surgir é necessário que o velho homem desapareça e lhe dê lugar. O velho Bowman somos todos nós.


[1] Richard Strauss não é o Johann Strauss compositor de valsas que aparecem mais à frente no filme como por vezes erradamente se julga – até nesta possível confusão no espectador a questão da identidade está presente… coincidência?

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