CIDADE DO VATICANO – O Vaticano vai incluir a discussão do design
inteligente em uma conferência marcando o aniversário de 200 anos de
Darwin e de 150 anos da publicação de sua Origem das Espécies, disseram
representantes na quarta-feira, 11.
Você acredita que as espécies evoluíram a partir de um ancestral comum?
O anúncio reverte a decisão de excluir essa discussão, mas representantes
do Vaticano disseram que o design inteligente seria tratado apenas como um
fenômeno cultural – não como ciência ou teologia.
Organizadores não explicaram por que decidiram voltar atrás e incluir a
discussão sobre a visão que diz que a vida é muito complexa para ter se
desenvolvido apenas pela evolução, e que um poder superior alterou a
seleção natural durante as eras.
“O comitê concordou em considerar o design inteligente como um fenômeno de
natureza ideológica e cultural, embora digno de uma análise histórica, mas
certamente não para ser discutido de maneira cientifica, filosófica ou
teológica”, disse Saverio Forestiero, da Universidade de Roma.
Fé e ciência
A Santa Sé prepara, para março, uma conferência inédita dentro do Vaticano
para debater o darwinismo e chega a indicar que, séculos antes, alguns de
seus principais nomes já falavam em teorias similares às de Darwin.
No último século, tanto o papa Pio XII como João Paulo II se manifestaram
sobre a evolução. Em sua encíclica “Humani Generis” (1950), Pio XII já
dizia que o “magistério da Igreja não proíbe o estudo da doutrina do
evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva
preexistente”.
Naqueles tempos, Pio XII insistia em afirmar que “a fé católica manda
defender que as almas são criadas imediatamente por Deus”.
O pontífice encorajava um confronto “sério, moderado e temperado”.
Em 22 de outubro de 1996, João Paulo II fez um grande discurso na
Pontifícia Academia das Ciências afirmando que a evolução “já não era uma
mera hipótese, mas uma teoria”.
Após declarar, como Pio XII, que era importante não perder de vista alguns
pontos predeterminados, João Paulo II reconheceu que a convergência dos
resultados de trabalhos realizados independentemente nesse campo
constituía “um argumento significativo a favor dessa teoria”.
O antecessor de Bento XVI declarou que a Igreja estava interessada
diretamente na questão da evolução, porque esta influi na concepção do
homem, “sobre o qual – disse – a Revelação mostra que foi criado a imagem
e semelhança de Deus”.
O papa polonês ainda afirmaria anos depois que “não basta a evolução das
espécies para explicar a origem do gênero humano, como não basta a
casualidade biológica para explicar por si só o nascimento de uma criança”.
Segundo documentos da Santa Sé preparados para o evento, Pio XII já havia
indicado a teoria como “um válido aspecto científico” sobre o
desenvolvimento humano. Em 1996, João Paulo II afirmou que a teoria era
“mais que uma hipótese”.
Já Bento XVI sempre defendeu a chegada à fé por meio da razão, apoiando o
diálogo entre fé e ciência.
Da mesma forma que seus antecessores, o atual pontífice declara que não há
oposição entre “a fé da compreensão da criação e a evidência empírica da
ciência”.
O Vaticano quer superar o enfrentamento em relação à teoria da evolução,
principalmente quando sua principal luta hoje é contra a manipulação
genética, clonagem e as novas tecnologias desenvolvidas pela ciência para
controlar a vida.
O chefe do Conselho de Cultura do Vaticano (espécie de ministro),
arcebispo Gianfranco Ravasi, admitiu que a Igreja chegou a ser hostil a
Darwin. Mas alerta que ele jamais foi condenado formalmente pela Santa Sé.
Ao anunciar o evento que ocorre em Roma em março, e que está sendo
considerado como um marco no debate entre religião e ciência, o arcebispo
fez questão de indicar que papas e chegaram a aceitar a teoria da evolução
no passado.
“O que queremos dizer como evolução é o mundo criado por Deus”, afirmou
Ravasi, em sua apresentação sobre a conferência. Para ele, a visão cristã
da criação e a teoria da evolução podem ser “complementares”. A
constatação de Darwin de que o homem poderia vir de uma evolução de formas
de vida mais simples não condiz com a história contada no livro de Gênesis.
Mas o Vaticano tem uma resposta. Apesar de o homem compartilhar 97% de
seus genes com macacos, os 3% restantes é o que distingue a raça humana
como “única”, inclusive com a existência da fé.
A Santa Sé ainda vai mais longe. Os primeiros sinais do evolucionismo
foram identificadas com São Tomás de Aquino e Santo Agostinho na Idade
Média. Santo Agostinho teria concluído que “peixes grandes comem peixes
pequenos”, em um esforço da Igreja de mostrar que aceita o conceito de
luta pela sobrevivência das espécies.
Ele também teria indicado que a vida se transforma ao longo do tempo,
traduzido isso até mesmo em suas orações.
O Vaticano quer passar a mensagem de que aqueles que defendem o
Criacionismo estão se equivocando em rejeitar Darwin como sendo
“totalmente incompatível com a visão religiosa da realidade”. O
Criacionismo entrará em debate na conferência em março, mas não de uma
forma científica.
Avaliação objetiva
“Chegou o momento de termos uma avaliação rigorosa e objetiva (das teorias
de Darwin)”, afirmou Marc Leclerc, professor de filosofia na Universidade
Gregoriana em Roma.
Mas nem a Universidade nem o Vaticano organizarão comemorações nesta
quinta-feira, 12, aniversário de 200 anos de Darwin, ainda que admitam que
o cientista deixou sua marca na história e na forma pela qual o mundo
entende a humanidade.
No ano passado, o Papa Bento XVI já deixou claro que Galileu estava
correto em suas teorias. Mas o Vaticano cancelou um projeto que tinha, de
erguer uma estátua em sua homenagem.