Assim, num programa de investigação progressivo, a teoria conduz à descoberta de factos novos (até então desconhecidos). Nos programas degenerativos, contudo, as teorias são fabricadas meramente para enquadrar factos conhecidos. (…)
Em resumo. O traço distintivo do progresso empírico não é constituído por verificações triviais. Popper tem razão ao afirmar que há milhões delas. O êxito da teoria newtoniana não consiste no facto de as pedras, quando largadas, caírem em direcção à terra, seja qual for o número de vezes que a operação se repita. Mas as ditas «refutações» não são o traço distintivo do fracasso empírico, como Popper preconizou, uma vez que todos os programas se desenvolvem num oceano permanente de anomalias. O que realmente conta são as predições dramáticas, inesperadas, fantásticas: basta uma pequena dose delas para inclinar a balança; quando a teoria não acompanha os factos, encontramo-nos face a programas de investigação degenerativos.
Ora, como é que acontecem as revoluções científicas? Se tivermos dois programas de investigação rivais, um deles progressivo e o outro degenerativo, os cientistas tendem a aderir ao programa progressivo. Esta é a base racional das revoluções científicas. Mas, enquanto não ocultar as evidências é uma questão de honestidade intelectual, não é desonesta a atitude de quem se mantém fiel a um programa degenerativo e tenta transformá-lo num programa progressivo.
A metodologia dos programas de investigação científica, em contraste com Popper, não oferece uma racionalidade imediata. É preciso tratar com brandura os programas em embrião: os pro¬gramas podem levar décadas até darem os primeiros passos e se tornarem empiricamente progressivos. A crítica não é um golpe de misericórdia popperiano, por refutação. A crítica importante é sempre construtiva: não há refutação sem uma teoria melhor. Kuhn está errado ao pensar que as revoluções científicas são mudanças de visão súbitas e irracionais. A história da ciência refuta tanto Popper como Kuhn: uma análise mais aprofundada revela como mitos tanto as experiências cruciais popperianas como as revoluções kuhnianas: o que geralmente acontece é que os programas de investigação progressivos substituem os degenerativos.
Imre Lakatos, «Ciência e Pseudociência», in História da ciência e suas reconstruções racionais, tr. Emília Mendes, Edições Setenta, 1998, pp. 18-19.
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