Na sua conferência Gelassenheit, (Serenidade), 2, um texto escrito em 1959, M. Heidegger, filósofo que dispensa qualquer apresentação, alertava-nos já para os desafios e perigos da nossa era. Era atómica (…), era técnica, a denominação pouco importa (…), se soubermos detectar a natureza real do perigo referido.
Heidegger não podia prever o desenvolvimento da genética! Muito menos do conjunto de perspectivas suscitadas pela experiência hoje real da clonagem de mamíferos. Dizia-nos, nesse tempo, usando as palavras do químico e prémio Nobel americano Stanley, que estávamos muito próximos da hora em que a vida estaria nas mãos dos cientistas. Estes teriam , então, a possibilidade de a manipular de acordo com a sua vontade.
Entrámos hoje, em definitivo, nessa era. Passámos, nomeadamente com o desenvolvimento das técnicas de reprodução assistida e com o incremento da genética, da era da criação à era da acção. Sabemos, sem sombra de dúvida, como agir tecnicamente para obter determinados resultados. No entanto, não sabemos o que pretendemos fazer com aquilo que conseguimos e está disponível! Sabemos que, se desenvolvermos determinadas possibilidades, podemos mudar para sempre o rosto do mundo. Esquecemo-nos, porém, de aquilo que não sabemos. Por outras palavras, conseguimos, desde que a ciência deixou de ser académica e se tornou tecnociência, produzir técnicas profundamente ambivalentes. Comprovamos assim, no nosso dia-a-dia, não só os efeitos positivos da energia nuclear, da exploração espacial, da engenharia genética, da intervenção bioquímica no comportamento humano, mas também algumas das suas consequências profundamente nocivas. O que significa que as capacidades de planificação, que desenvolvemos, escapam-nos. Dão origem a respostas distorcidas e inimagináveis. A autonomia com que sonhámos pode, enfim, transformar-se numa perigosa dependência!
O que falhou afinal? Porque levantamos esta questão? Será a autonomia que almejamos uma categoria de ordem puramente operatória? As técnicas de manipulação, de que dispomos, embasbacam-nos, pois não nos dizem o que devemos ou não realizar. Apenas o que podemos fazer com elas em nosso benefício imediato.
Falta-lhes o ethos precioso do ser cm situação, humus verdadeiro de uma profícua e meditada deliberação.
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