Talvez valha a pena remontar às origens desta controvérsia já que, como sucede com frequência, a sua forma original é também a mais clara. Surgiu, tanto quanto sei, como uma consequência do interesse dedicado dos primeiros Estóicos gregos a duas ideias, inicialmente não relacionadas: a ideia de causalidade, isto é, a concepção, nova no século IV a.c., de cadeias inquebráveis de acontecimentos em que cada evento anterior funciona como causa necessária e suficiente do seguinte; e a noção muito mais antiga da responsabilidade moral individual. Logo nos inícios do século seguinte, compreendeu-se que havia algo de paradoxal, e até de incoerente, em defender que os estados de espírito, os sentimentos e a vontade do homem, bem como as suas acções, fossem elos de cadeias causais inquebráveis, e ao mesmo tempo que o homem fosse responsável, ou seja, que pudesse agir de modo diferente.
Crisipo foi o primeiro pensador a enfrentar este dilema [o problema de compatibilizar a responsabilidade com o determinismo] (…) e a inventar a solução conhecida como auto-determinação – a tese de que enquanto o homem for concebido como estando influenciado por forças exteriores e incapaz de lhes resistir, não passa de um objecto inerte, destituído de liberdade, sendo o conceito de responsabilidade totalmente inaplicável; porém, se entre os factores determinantes do comportamento estiver o vergar da vontade a certos propósitos e se, por outro lado, esse vergar da vontade for uma condição necessária (seja ou não suficiente) para uma determinada acção, nesse caso é livre: porque o acto está dependente da ocorrência de uma volição e não pode acontecer na ausência desta. (…)Os críticos desta posição, os Epicuristas e os Cépticos, (…) afirmavam que, embora as operações da vontade sejam uma condição necessária do que se pode designar propriamente por actos, se essas operações constituírem elos de cadeias causais, se forem efeitos de causas “extrínsecas” às opções, decisões, etc., então a noção de responsabilidade continua a não ser aplicável como antes. Um crítico [Aenamaus] designou essa determinação modificada por hemidoulia – “semi‑escravidão”. Só sou semi-livre se conseguir defender correctamente que podia não ter feito x se não o tivesse escolhido, acrescentando porém que não podia ter feito uma escolha diferente. Mas uma vez que decidi por x, a minha acção tem um motivo e não apenas uma causa; a minha volição insere-se entre as causas (…) do meu comportamento (…). Porém, se a escolha ou a decisão for determinada e, em termos causais, não puder ser diferente do que é, então a cadeia da causalidade permanece inquebrável e, afirmam os críticos, não sou mais livre do que nas hipóteses deterministas mais rígidas.
Isaiah Berlin, A busca do ideal, tr. Teresa Curvelo, Bizâncio, pp. 149, 150.
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