A maneira correcta de interpretar a frase «temos obrigações para com os seres humanos simplesmente enquanto tal» é como sendo um meio de nos recordar que continuemos a tentar alargar tanto quanto possamos o nosso sentido do «nós». (…) A maneira certa de interpretar a frase atrás referida é como se ela nos instasse a criar um sentido mais expansivo da solidariedade do que o que actualmente temos. (…) A maneira certa de ler tais frases faz-nos pensar na filosofia como estando ao serviço da política democrática – como sendo um contributo para a tentativa de alcançar aquilo a que Rawls chama «equilíbrio reflexivo» entre as nossas reacções instintivas a problemas contemporâneos e os princípios gerais em que fomos criados. Assim entendida, a filosofia é uma das técnicas de tecer novamente o nosso vocabulário da deliberação moral de modo a acomodar novas crenças (por exemplo, que as mulheres e os negros são capazes de mais do que os brancos do sexo masculino tinham pensado, que a propriedade não é sagrada, que as questões sexuais são do foro meramente privado). A maneira errada de ler tais frases é a que nos faz pensar que a democracia política está sujeita a um tribunal filosófico (…).
Rorty, Contingência, ironia e solidariedade, tr. Nuno F. da Fonseca, Editorial Presença, pp. 243, 244.
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