E chegamos assim à palavra fundamental de toda esta embrulhada: liberdade. Os animais (para já não falar nos minerais e nas plantas) não podem evitar ser como são e fazer aquilo que naturalmente estão programados para fazer. Não se lhes pode censurar que o façam nem aplaudi-los pelo que fazem, porque não sabem comportar-se de outro modo. As suas disposições obrigatórias poupam-lhes sem dúvida muitas dores de cabeça. Em certa medida, de início, nós, homens, também estamos programados pela Natureza. Estamos feitos para beber água, e não lixívia, e tomemos as precauções que tomarmos, mais cedo ou mais tarde, morreremos. E de modo menos imperioso mas análogo, o nosso programa cultural é também determinante: o nosso pensamento é condicionado pela linguagem que lhe dá forma (uma linguagem que nos é imposta de fora e que não inventámos para nosso uso pessoal) e somos educados em certas tradições, hábitos, formas de comportamento, lendas…; numa palavra, são-nos inculcadas desde o berço certas fidelidades e não outras. Tudo isto pesa muito e faz com que sejamos bastante previsíveis, (…) mas por grande que seja a nossa programação biológica ou cultural, nós, seres humanos, podemos acabar por optar por algo que não está no programa (pelo menos que lá não está totalmente). Podemos dizer “sim” ou “não”, quero ou não quero. Por muito apertados que nos vejamos pelas circunstâncias, nunca temos um só caminho a seguir, mas sempre vários. (…) Não somos livres de escolher o que nos acontece (ter nascido certo dia, de certos pais, em tal país, sofrer de um cancro ou ser atropelado por um carro, ser bonitos ou feios, que os Aqueus queiram conquistar a nossa cidade, etc.), mas somos livres de responder desta maneira ou daquela ao que nos acontece {obedecer ou revoltar-nos, ser prudentes ou temerários, vingativos ou resignados, vestir-nos de acordo com a moda ou disfarçar-nos de ursos das cavernas, defender Tróia ou fugir, etc.).
Fernando Savater, Ética para um Jovem, Lisboa, Editorial Presença