3.2 Uma educação para o século XXI
Os avanços tecnológicos das últimas décadas foram notáveis. A informação está à distância de um clique no computador, viaja connosco num pequeno telemóvel, tornou-se ubíqua. Hoje é possível fazer videoconferências com pessoas situadas em locais geograficamente muito distantes. A facilidade de comunicação é enorme, permitindo a partilha de links, ficheiros, imagens e vídeos. Lentamente, as bibliotecas tornam-se virtuais. Um leitor e-reader ou um tablet comportam centenas ou milhares de livros, filmes, músicas, fotografias, gráficos e todo o tipo de dados. Os alunos de hoje têm toda a informação disponível no smartphone ou no smartwatch.
São muitas as transformações educativas a que estamos a assistir. O e-learning tornou a educação ubíqua; os ambientes virtuais de aprendizagem generalizam-se, com a possibilidade de utilização das redes sociais enquanto ferramentas educativas; “Bring Your Own Device” (BYOD) passou a ser uma realidade, com os alunos a usarem os seus próprios dispositivos como forma de aceder a conteúdos educativos; todo o processo educativo se encontra em metamorfose, a caminho de uma hibridação entre o presencial e o online; a personalização dos conteúdos educativos, muito além de uma pedagogia diferenciada, é hoje possível tecnologicamente; os Massive Open Online Courses (MOOC) colocam à disposição de todos os mais variados objetos de aprendizagem, muitos deles com extraordinária qualidade; a realidade virtual e os ambientes imersivos avançam rapidamente, sendo o Second Life um extraordinário prenúncio do que pode ser feito; os objetos “wearables” e a Internet of Things (IoT), serão cada vez mais vulgares nos próximos anos; learning analytics será uma ferramenta educativa importante em pouco tempo.
Duas grandes questões se levantam:
1) De que forma devem as instituições de ensino, se é que devem, incorporar as novas tecnologias nas metodologias de ensino?
2) Pode a filosofia ser particularmente útil num tempo em que a informação abunda?
A questão que abordaremos aqui não é a de saber se o ensino a distância é melhor ou pior do que o ensino presencial. Essa discussão, que já não tem pertinência nem atualidade, foi ultrapassada pela emergência e generalização das novas tecnologias e não deve ser confundida com a questão de saber se o ensino online é, ou não, eficaz. Clarificando, o ensino a distância decorre primordialmente em ambientes virtuais, mas o ensino presencial incorpora cada vez mais elementos online. Esta tendência de hibridação do ensino parece incontornável e é aquilo que nos faz colocar as questões anteriormente apontadas. Afinal, a emergência do blended–learning como evolução natural dos ambientes presenciais e virtuais conduziu-nos à possibilidade de navegar na internet, efetuar pesquisas em motores de busca, participar em chats, fóruns e videoconferências, aceder a comunidades virtuais de aprendizagem, produzir e consumir podcasts, e utilizar as redes sociais para esclarecer dúvidas ou recolher informação.
A introdução das novas tecnologias no ensino não tem sido pacífica. Além das naturais resistências por parte daqueles que reúnem menos competências digitais, existem várias vozes críticas acerca desta imersão tecnológica em curso. Madaleno (2006) tece fortes críticas às novas tecnologias. Acusa as grandes empresas de ver na educação mais um instrumento ao serviço do capitalismo, promovendo e difundindo as tecnologias nas salas de aulas como forma de aumentar exponencialmente os seus lucros, fazendo de “cada cidadão um consumidor frenético de internet” e promovendo “a substituição da Escola pelo Ensino e pela formação a distância, obrigando a que cada casa europeia esteja permanentemente em uso de linha telefónica”.
“De facto, estes detentores do poderio económico decidiram “pôr a pata” em cima da Escola no dia em que descobriram que podem transformar a Educação no mais colossal mercado do século XXI: que ela pode constituir o domínio em que os apetites do grande capital poderão, a breve prazo, saciar a sua inextinguível fome de lucros; que ela pode transformar as crianças escolarizadas num gigantesco viveiro consumista, multiplicado por anos sem fim… São as novas concepções liberais, acerca das quais Edith Cresson afirmou «o capitalismo tem vontade de privatizar a educação? A resposta é sim». (Madaleno, 2006)
Madaleno acusa-nos, a todos nós, de acriticamente considerarmos que as tecnologias são a chave para o sucesso educativo, que a grande revolução do ensino se encontra na utilização de computadores, na disseminação da educação e formação online, com o objetivo de favorecer os grandes interesses económicos. E acrescenta uma outra crítica, que é o perigo da manipulação:
“Quando surgirá alguém com discernimento para desmontar este discurso do uso sobranceiro das tecnologias, apenas porque estão na moda? Quando despertarão as consciências para o risco de manipulação em massa resultante do poder que, através do controle dos conteúdos dos materiais informáticos de caráter educativo, acabará por ser colocado na mão das grandes multinacionais? (…) Quando acordarão os professores para o facto de estarem a assistir e a promover, impavidamente, esta integração, a todo o transe, das novas tecnologias, em detrimento da defesa de uma escola que ensine e cultive? Quando perceberão que estão tacitamente a alinhar numa estratégia conducente à comercialização do ensino, e ao controle e privatização da educação?” (Madaleno, 2006)
É verdade que a introdução das novas tecnologias pode exigir avultados investimentos económicos, e numa era de obsolescência programada ou percebida isso é ainda mais evidente. Mas também é evidente que essas mesmas tecnologias têm de ser compreendidas, utilizadas, integradas por todos os cidadãos, pois tornaram-se fundamentais no nosso modo de vida.
Naturalmente, a irrupção das novas tecnologias também coloca em causa o papel do professor. Novas competências lhe são exigidas[1], num tempo em que os “nativos digitais”[2] o fazem sentir-se ultrapassado pelas novas maravilhas contemporâneas.
Contudo, numa sociedade e num sistema educativo perante tão profundas mudanças, para que serve a Filosofia no século XXI?
[1] Uma síntese das competências digitais docentes pode ser encontrada em Pere Marques, um investigador espanhol que se dedica a esse assunto, em http://peremarques.net/
[2] A existência de “nativos digitais” não passará de um mito? A discussão já não é recente mas não deixa de ser estimulante: http://ecdl.org/policy-publications/digital-native-fallacy