A filosofia nasce de um escândalo: o logos está separado da realidade. Dizer uma coisa não é necessariamente dizer o que é. Consequentemente, o logos já não é moral, já não é o dom dos deuses que avalia infalivelmente os homens, as suas acções e aquilo que os rodeia. Deixando de ser isso, é neutro: é aquilo que se faz dele, tendendo para a moralidade naquele que se esforça por encontrar as coisas através dele e para a imoralidade naquele que se serve dele como de um refúgio para se dissimular. De dom divino, tornou-se um simples instrumento, um utensílio de poder, especialmente para os sofistas que, por meio do encantamento dos seus discursos, obtêm os favores da multidão.
No fundamento da démarche do Sócrates dos primeiros diálogos há, pois, esta constatação da neutralidade inaceitável do logos: a linguagem já não é necessariamente consubstancial à realidade que serve para exprimir. Pode ser verdadeira ou falsa. O seu desligamento do ser implica a possibilidade de nos servirmos dela como de um simples utensílio, o que implica, para os homens, a possibilidade do erro, da aparência, da mentira e da dissimulação. A filosofia acontece através do escândalo da neutralidade da linguagem, dando-se como ideal uma linguagem nela mesma normativa, que realiza de novo a união perdida da ética e do discurso.
A filosofia nasce de um escândalo…
Christophe Rogue, Compreender Platão, Porto Editora, pp. 21, 22.
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