A Objetividade dos Valores

«Os valores não existem, pelo menos da mesma forma que as pedras e os rios. Considerado à margem dos sentimentos e dos interesses humanos, o mundo parece não incluir quaisquer valores. […]

Este é o «argumento metafísico»: as opiniões éticas não podem ser objetivamente verdadeiras ou falsas porque não existe uma realidade moral a que possam corresponder ou não corresponder. Esta é a diferença profunda entre a ética e a ciência. A ciência descreve uma realidade que existe independentemente dos observadores. Se os seres sencientes deixassem de existir, o mundo permaneceria inalterado nos restantes aspetos – continuaria a existir e não deixaria de ser precisamente como a ciência o descreve. No entanto, se não existissem quaisquer seres sencientes, não existiria qualquer dimensão moral na realidade. Podemos resumir o argumento desta forma:

1. Existem verdades objetivas na ciência porque existe uma realidade objetiva – o mundo físico – que a ciência descreve.

2. Mas não existe qualquer realidade moral comparável à realidade do mundo físico. Não existe «lá fora» algo que a ética possa descrever.

3. Logo, não existem verdades objetivas na ética.

Uma vez mais, podemos perguntar se isto é correto. É verdade, julgo eu, que não existe qualquer realidade moral comparável à realidade do mundo físico. Contudo, não se segue daqui que não possam existir verdades objetivas na ética. A ética pode ter uma base objetiva de outra forma. Uma investigação pode ser objetiva de duas formas:

• Uma investigação pode ser objetiva porque existe uma realidade independente que esta descreve correta ou incorretamente. A ciência é objetiva neste sentido.

• Uma investigação pode ser objetiva porque existem métodos de raciocínio fiáveis que determinam a verdade e a falsidade no seu domínio. A matemática é objetiva neste sentido. Os resultados matemáticos são objetivos porque são demonstráveis com os tipos relevantes de argumentos.

A ética é objetiva no segundo sentido. Não descobrimos se uma opinião ética é verdadeira comparando-a com uma espécie de «realidade moral». […] Descobrimos antes o que é certo ou o que se deve fazer examinando as razões ou os argumentos que, numa dada questão, podem ser avançados a favor de cada um dos lados – é certo aquilo que está apoiado pelas melhores razões para agir. Basta que possamos identificar e avaliar as razões a favor e contra os juízos éticos e que cheguemos a conclusões racionais.»

James Rachels, Problemas da Filosofia. Lisboa: Gradiva, 2004.

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1 Comment

  1. O problema da verdade ou falsidade não existe em variados níveis de discurso. Uma pergunta não é falsa nem verdadeira. O bem ou o mal, também não. A própria realidade não é falsa nem verdadeira, em qualquer sentido, científico ou filosófico… O falso ou verdadeiro é uma questão de juízo. Juízo de ciência, nos termos e condições que o método científico estabelece. Mas outros juízos, não menos queridos e não menos humanos e não menos benignos, como os juízos de valor, têm uma palavra a dizer, antes, durante, depois e independentemente dos juízos de ciência, como é o caso dos juízos de valor.
    De qualquer modo, tanto os juízos de ciência quanto os juízos de valor não têm objetividade. A objetividade não é uma característica dos juízos.
    Os valores e a realidade material não se equiparam justamente porque aqueles são “juízos”. Não obstante, são juízos sobre condutas ou comportamentos humanos, reais. Tanto os juízos, quanto as condutas, ativas ou passivas, intencionais ou não, voluntárias ou não, são reais, pese embora a determinação dessa realidade.

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