Meu caro Amigo: do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros, se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu, do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem. […] Você tem a liberdade para decidir: pode ser literato, ou retórico, ou simples homem vibrando, ou filósofo […]. Mas seja filósofo a sério. Procure compreender os sistemas dos outros antes de criar um seu: se acha errado um grande filósofo, pense sempre que o erro é seu: é fora de dúvida que se não pôs e não venceu a fácil objecção que você lhe levanta (e talvez você até ao fim da vida só possa levantar fáceis objecções), é porque ela não tem razão de ser e vem dum engano seu. Estude ferozmente, com os dentes cerrados, empregue toda a sua força, estoire os músculos: ou você domina a filosofia ou a filosofia o domina a você: só quem é forte se apaixona; mas se você for ovelha ante os filósofos, só lhe resta um destino: o de balir. É preciso que haja no seu combate e logo nas horas de princípio um tal ímpeto de ataque, uma tal segurança de passo, que nenhuma fortaleza lhe possa resistir; empregue-se todo na sua faina, vá pelo simples à variedade, pelo especialismo ao total; ganhe primeiro uma disciplina, só depois se poderá lançar em aventuras.
Agostinho da Silva, Sete Cartas a Um Jovem Filósofo