Como [a quem e de quê] atribuir responsabilidade?

A identificação do autor com uma acção não é um acto negligen­ciável; em certas circunstâncias constitui mesmo uma operação muito complicada.

1. No caso das acções simples ou “básicas” (Danto), esta atribuição não constitui problema algum. Eu não pergunto quem sorriu, quem moveu o dedo. A acção é atribuída imediatamente (…). As acções de base são expressões gestuais que permitem uma leitura imediata do autor na sua assinatura.

2. As acções “complexas” é que constituem um problema. Entende­mos por acções complexas as que produzem efeitos sobre as coi­sas (deslocação, manipulação, transformação, etc.). É o sentido ordinário de agir; actua-se sobre algo: diz-se então que agir é cau­sar uma mudança. Na medida em que uma acção é idêntica às suas consequências, diz-se que o agente é o autor não só dos seus gestos imediatos, mas [também] dos seus efeitos mais longínquos. A atribuição constitui então um problema porque o autor não está nas consequências longínquas como está no seu gesto imediato. De algum modo a acção separa-se do seu autor como a escrita separa o discurso da palavra e dá-lhe um destino distinto do seu autor; eis por que a pergunta “quem” abre um problema real. As consequências longínquas serão ainda obra de alguém? É mediante um acto específico que se religa ao autor uma acção que dele se separou. O autor é o que teve a iniciativa, isto é, o que começou.

3. Uma complicação suplementar surge em virtude de a acção consti­tuir não só uma cadeia de acções individuais, mas também um entrelaçamento de acções colectivas. É preciso então distinguir, na ordem de enredamento causal, o que se pode atribuir mais a pes­soas do que a coisas e distinguir as acções dos acontecimentos.

4. Por fim uma última complicação, a atribuição de uma acção resulta mais difícil pelo facto de que vários autores concorreram para a mesma acção global. Como atribuir a cada um a sua parte? Esta per­gunta torna-se importante quando é preciso repartir erros e designar distributivamente os autores; em tal caso atribuir é distribuir.

Temos assim: atribuição imediata, atribuição mediata, atribuição discriminadora, atribuição distributiva.»

Paul Ricoeur, O Discurso da Acção, Lisboa, Edições 70, pp. 62-63.

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