Como construir a igualdade?

Thomas Nagel distingue três grandes princípios de justiça que podem pretender encarnar um ideal de igualdade. A doutrina utilitarista afirma que uma situação social é tanto mais justa quanto conduzir à «maior felicidade do maior número». Isto significa maximizar o interesse geral, definido como soma dos interesses particulares. É uma doutrina igualitária, porque, dentro desse grande cadinho constituído pela utilidade colectiva, os interesses de cada um são tomados em conta da mesma maneira. O que muitas vezes se critica ao utilitarismo é poder justificar o sacrifício de uma minoria pelo maior bem-estar da maioria. O interesse desta minoria foi bem contabilizado, mas não pesou perante o do maior número.

Nada disto se pode produzir com a concepção liberal de igualdade. Neste caso, todos estão rodeados pelo invólucro protector, feito de direitos e liberdades que não podem ser violados seja por quem for, nem que fosse em nome do interesse geral. Perguntem se podem ou mesmo devem matar um inocente, se for essa a única maneira de evitar que cinco outros pereçam. O utilitarismo responde sim, pois pesa as consequências e compara os números; o liberalismo responde não, porque proíbe, totalmente, determinados actos, independentemente de qualquer cálculo de sofrimentos e de prazeres.

Existe uma terceira concepção, a «justiça como equidade», elaborada por John Rawls no grande livro Teoria da Justiça. (…) A obra de Rawls renovou, em profundidade, o debate sobre a justiça nos países de língua inglesa, mas também na maior parte dos países da Europa Continental.(…) Tal como o utilitarismo, a justiça como equidade interessa-se pelas consequências; porém, tal como o liberalismo, estabelece urgências, prioridades absolutas, independentemente dos números em presença. A prioridade das prioridades é o destino dos mais desfavorecidos. É o seu bem-estar que se deve tornar tão grande quanto possível, nem que para isso se tenha que recorrer à melhoria da situação das muito numerosas classes médias, nem que para isso se tenha de aceitar desigualdades.

Jean-Pierre Dupuy, Ética e Filosofia da Acção, Lisboa, Ed. Instituto Piaget, pp. 95-96.
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