Hoje pode usar-se o termo “arte” em português (e noutros idiomas modernos) em vários sentidos. Fala-se da arte de viver, da arte de escrever, da arte de pensar; “arte” significa, neste sentido, determinada virtude ou habilidade para fazer ou produzir algo. Fala-se de arte mecânica e de arte liberal. Fala-se também de bela arte e de belas artes e, nesse caso, toma-se “arte” em sentido estético como “a Arte”. Estes significados não são totalmente independentes; une-os a ideia de fazer, e especialmente de produzir, algo de acordo com certos métodos ou certos modelos — métodos e modelos que podem, por sua vez, descobrir-se mediante arte. Esta simultânea multiplicidade e unidade de significado apareceu já na Grécia.Durante a época do helenismo e na Idade Média, houve tendência para entender o conceito de arte num sentido muito geral. No Renascimento e parte da época moderna, a distinção entre as artes como ofícios e as artes como belas artes nem sempre foi clara. De facto, foi numa época relativamente recente que os filósofos começaram a usar o termo ‘arte’ para se referirem à Arte e fizeram esforços para desenvolverem uma filosofia da arte. Discutiu-se sobre se esta tem métodos e objectos próprios distintos de outra disciplina filosófica que também se ocupa da arte: a estética. Embora se deva confessar que os limites entre as duas disciplinas são imprecisos, pode, contudo, estabelecer-se uma distinção razoável. Enquanto a estética trata de questões relativas a certos valores (classicamente, do belo; depois, de outros) e a certas linguagens, dando como exemplos as chamadas “obras de arte”, a filosofia da arte trata destas obras de um ponto de vista filosófico, apoiando-se em investigações estéticas. Por outras palavras, pode dizer-se que enquanto a estética é sempre mais «formal», a filosofia da arte é incomparavelmente mais “material”.
Muitas são as respostas que se deram à pergunta sobre o que é a arte. Alguns autores declararam que a arte não proporciona nenhum conhecimento da realidade, ao contrário da filosofia, e especialmente da ciência, que se consagram ao conhecimento; costuma dizer-se que a arte não é um contemplar (no sentido geral de “teoria”), mas um fazer. Embora esta tese tenha muito a seu favor, deparam-se-lhe várias dificuldades. Por um lado, embora a arte não seja, estritamente falando, conhecimento, pode proporcionar certa «imagem do mundo». Há, pois, um certo conhecimento do mundo por meio da arte, e isto é o que quer dizer que a arte é uma certa «revelação» do mundo. Por outro lado, dizer que a arte não é conhecimento é insuficiente, pois também a realidade não é, estritamente falando, conhecimento e, contudo, não é arte. Por último, dizer que é um fazer também é insuficiente pois há muitos tipos de fazer que não são arte. Outros autores assinalam que a arte é uma forma de «evasão». Esta explicação é mais psicológica do que filosófica. O mesmo acontece com a ideia segundo a qual a arte é uma «necessidade» da vida humana. Em todas estas «explicações», além disso, o que se explica, ou tenta explicar, é a vida humana e não a arte. Mais adequada é a definição da arte como criação de valores: valores tais como o belo, o sublime, o cómico, etc. Também nos parece mais adequada — e não necessáriamente incompatível com a anterior —a tese segundo a qual a arte é uma forma de simbolização. Em todo o caso, as teorias puramente axiológicas, puramente simbolistas ou puramente «emotivas» da arte deixam sempre escapar alguns elementos essenciais da arte. E possível que só se possa dar conta da grande riqueza de manifestações da arte mediante uma conjunção destas teorias.
José Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, Publicações D. Quixote