David S. Oderberg – Teoria Moral (II)

Numa segunda parte do volume «Teoria Moral», Oderberg marca o abismo teórico que o separa das éticas consequencialistas fazendo assentar a qualidade moral de uma acção na intenção (acto de vontade) que preside à sua realização. Afirma mesmo que o acto exterior não acrescenta nenhum valor moral ao acto da vontade (p. 115). Mas de seguida centra os seus esforços nas acções em que não podemos claramente ligar a intenção a determinados efeitos das acções. Como falar de responsabilidade nestes casos?
«Faz-nos falta, portanto, um dispositivo que nos permita distinguir os efeitos laterais negativos pelos quais o agente pode ser responsabilizado (…) daqueles efeitos laterais pelos quais não pode ser responsabilizado, ou seja, daqueles que é permissível ele produzir. Ora, a teoria moral tem maneira de fazer tal distinção: o chamado princípio do duplo efeito (…).» (p. 117)
Este PDE muito desprezado pelos consequencialistas merece do autor uma fatia enorme de atenção neste livro. È que a maioria dos nossos actos produz efeitos negativos não intencionados. Se agir moralmente é fazer o bem e evitar o mal então ficaríamos paralisados. Como ultrapassar este problema? Utilizando o PDE. Este princípio, resumidamente afirma que a realização de um acto com efeitos bons e maus é moralmente admissível se estiverem garantidas as seguintes quatro condições:
«1) a acção intencionada deve ser boa ou pelo menos permissível (…); 2) o efeito bom deve seguir-se do acto pelo menos com a mesma imediatez [causal, não necessariamente temporal] com que se segue o efeito mau (…); 3) o efeito mau nunca pode ser intencionado em si mesmo, nem desejado como objectivo, sendo apenas permitido (…); 4) tem de haver razões proporcionadas e suficientemente graves para permitir o efeito mau (…)» (p. 118)
Oderberg discute detalhadamente diversas críticas a este princípio refutando-as, e concluindo pela valiosa utilidade intelectual deste instrumento no raciocínio moral.
Além deste princípio, Oderberg considera que, para analisarmos convenientemente a responsabilidade moral dos actos humanos, devemos atentar na distinção entre actos e omissões. Para este autor, se podemos considerar um acto moralmente correcto ou incorrecto, também podemos considerar avaliar moralmente certas omissões. Mas ao contrário das teorias consequencialistas, Odeberg considera que não devemos ser demasiado exigentes connosco moralmente ao ponto de considerarmos qualquer omissão como uma falta. Mais: não devemos basear a nossa avaliação moral nas consequências da nossa omissão. A DAO (Distinção Acto Omissão) está relacionada com a distinção entre deveres positivos e deveres negativos: nalgumas situações temos o dever moral de agir, noutras apenas o dever de não interferir. O consequencialismo exige demasiado de nós, enquanto que a moralidade, segundo Oderberg, só exige de nós o «dever de» agir quando temos a «capacidade para» actuar (p. 163). Uma omissão será moralmente reprovável apenas se estiver ao nosso alcance alterar determinado estado de coisas, e se essa alteração nos for exigida por um dever prévio (nunca por uma previsão maximalista dos efeitos da nossa intervenção).
«Ao avaliarmos se a omissão de fazer qualquer coisa é ou não culposa, temos de tomar como central a noção de falta. Uma omissão culposa não consiste simplesmente em não se fazer alguma coisa, mas numa falta em termos de acção; e uma falta em termos de acção pressupõe que havia um dever prévio de agir. James Rachels compara os casos de Smith e Jones, em que Smith afoga um primo no banho para lhe ficar com a herança, e Jones fica a ver o primo a afogar-se com o mesmo objectivo. Como podemos afirmar, pergunta o autor [Rachels], que Smith e Jones não são igualmente culposos do ponto de vista moral; ou seja, como podemos afirmar que há de facto uma diferença entre actos e omissões? A resposta é que por vezes – mas nem sempre – um acto e uma omissão são igualmente incorrectos do ponto de vista moral; e que, se o respectivo carácter louvável ou censurável não se identificam em todas as circunstâncias comparáveis, os actos e as omissões têm de ser intrinsecamente diferentes.» (p. 165)
Estes dois instrumentos racionais serão fundamentais na análise que o autor faz na parte final deste volume acerca da Vida e da sua inviolabilidade. Para Oderberg, defender a inviolabilidade da vida humana é uma condição necessária para a existência de qualquer pensamento ético, pois o «bem da vida» é essencial para qualquer «vida boa». Qualquer bem que se estipule como telos da existência humana só tem sentido se existir uma vida a ser preenchida.
«Tal como os outros bens humanos básicos, o bem da vida não pode ser destruído, dado que tal pressuporia um ataque fundamental à integridade humana, um ataque de tal maneira fundamental que destruiria, não apenas o bem da própria vida, mas também a possibilidade da prossecução de quaisquer outros bens. Neste sentido, o direito à vida faz parte da própria arquitectura da teoria moral defendida neste livro. Todas as teorias morais têm a sua arquitectura própria, o quadro conceptual dentro do qual são elaboradas. Para um consequencialista, será o prazer e a dor, ou os desejos, ou as preferências, ou um sistema de regras que maximize estes ou outros ingredientes. Para um kantiano, será a vontade humana autónoma, que promulga as leis morais a que ele se submeterá, de acordo com o imperativo categórico. Para a presente teoria, é o quadro de bens humanos básicos que constituem, no seu conjunto, uma vida boa e concordante com a natureza humana, e em que o bem da vida constitui a base e a condição prévia para a prossecução de todos os outros bens.» (p. 180)
Tendo este pensamento no horizonte já podemos supor muitas das teses defendidas no volume «Ética Aplicada» editado simultaneamente com este («Teoria moral»), nomeadamente nos temas que envolvem a vida humana como o aborto e a eutanásia. Para abrir o apetite à leitura destes dois volumes termino apenas com a referência ao último assunto abordado no livro: o argumento de Peter Singer sobre o especismo. Trata-se portanto da discussão sobre a quem atribuir estatuto moral, questão fundamental para qualquer argumentação ética, que o autor inicia ao fechar este volume, e que será retomada em profundidade no volume dedicado a Ética Aplicada.
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