Uma das ideias mais revolucionárias de Krishnamurti é a de que a Verdade não é algo fixo, como um objectivo a atingir, tendo caminhos em linha recta para lá chegar. A Verdade é algo móvel, algo dinâmico, tal como a Natureza em si, e esta é talvez a premissa de mais difícil aceitação devido à noção estática de Verdade a que estamos habituados.
Esta dinâmica no seu pensamento estende-se à sua concepção de felicidade, que não reside na aceitação passiva daquilo que nos transmitem, mas no traçar de uma auto-descoberta, longe das religiões organizadas e das organizações em si (crítica à Sociedade Teosófica). Crer em deuses, orar em templos não vai trazer a Verdade ou proporcionar conhecimento; apenas vai criar novas religiões e novas organizações. Trata-se de uma perspectiva de auto-conhecimento, um pouco à medida socrática “Descobre-te a ti mesmo”, como se o saber residisse em nós e na nossa relação com o Mundo. Ao mesmo tempo, Krishnamurti alerta para o facto de grande parte da nossa sensação de vazio existencial e de insatisfação está relacionado com a visão parcelar que temos de nós mesmos: temos de deixar de nos ver como indivíduos para passarmos a ver-nos como parte da Humanidade, como um Todo.
Aquilo que poderia ser uma aparente contradição entre valorizar o auto-conhecimento enquanto se apela à união com os outros desfaz-se rapidamente se pensarmos na natureza intrinsecamente social que temos. Já Aristóteles dizia que somos “animais políticos” e isto traduz-se na necessidade de estarmos com os outros e vê-los como parte do nosso próprio desenvolvimento. A consciência individual nada é sem a consciência colectiva, sem a sensação de integração em algo – o Todo.
Esta partilha não se esgota no conhecimento, já que se refere igualmente ao sofrimento, ao amor, à angústia, ao desejo de felicidade. E, por isso, Krishnamurti considera que fazemos parte de uma consciência colectiva, pois partilhamos as mesmas necessidades espirituais, as mesmas carências, os mesmos anseios:
“Se houver o fim do sofrimento num ser humano, que é representante de toda a humanidade, esse fim afecta a totalidade da consciência humana.”
Os nacionalismos são um absurdo, para Krishnamurti, pois partilhamos mais do que uma componente biológica. Eles são um dos principais responsáveis pela divisão das pessoas, que sentem dificuldade em encontrar aquilo que as une, fomentando os conflitos e as guerras. A paz só será possível quando se der a percepção da união e não da divisão, da individuação.
Temos uma obsessão pela ordem mundial, legislamos e criamos regras para que essa ordem externa aconteça. Mas é impossível manter a ordem exterior se a nossa mente e a nossa existência estão, elas mesmas, num caos. A ordem, a harmonia não pode vir de fora para dentro, mas deve ser o inverso.
A liberdade para pensar por si mesmo, sem pressões externas provindas de fontes religiosas, sociais ou políticas é fundamental para Krishnamurti. Esta liberdade deve igualmente traduzir-se na experimentação pessoal da procura, de testar a Vida, de procurar a Verdade. Só uma mente livre consegue fazer esta experiência. Nesse sentido, Krishnamurti defende um certo afastamento das tradições, daquilo que está preestabelecido, pois as tradições tendem a causar dependência pelo incitamento a seguir o que está já decidido e aceite institucionalmente. Questionar de modo livre o que nos é ensinado é o primeiro passo para o pensamento próprio, pois fomenta a autonomia.
Esta autonomia não é ensinada em termos sociais. Desde crianças, somos ensinados a obedecer, a fazer as coisas de uma determinada maneira de modo a alcançar determinado resultado. E obedecemos como se a obediência fosse o único caminho possível, sem questionar, sem averiguar do sentido daquilo que nos é dito. Chegamos a ponto de desejar obedecer, pois é muito mais simples fazê-lo que criar as próprias decisões. A autonomia, por oposição à heteronomia, como dizia Kant, é muito mais cansativa e implica a assunção das consequências, agir por mote próprio, sem seguir o que outros mandam, quer por medo da punição, quer por desejo de recompensa.
“Não há guia, não há instrutor, não há autoridade. Só existe vós, vossas relações com outros e com o mundo, e nada mais. Quando se percebe esse fato, ou ele produz um grande desespero, causador de pessimismo e amargura; ou, enfrentando o fato de que vós e ninguém mais sois o responsável pelo mundo e por vós mesmo, pelo que pensais, pelo que sentis, pela maneira como agis, desaparece de todo a autocompaixão.”
Krishnamurti, Liberte-se do Passado, Parte I |
A heteronomia alarga-se igualmente ao campo axiológico: Krishnamurti considera que as religiões, por se basearem em padrões morais que não mudam, que não se adaptam às necessidades das pessoas, acabam por dividi-las de modo profundo, o que gera conflitos. Seguir uma religião organizada, sem a questionar, longe de unir as populações, divide-as, porque assenta no discurso do “meu Deus”, as ”minhas regras”, a “minha Verdade”, quando deveria ser o oposto. Afastar-se de tudo isto, diz Krishnamurti: “implica inteligência, investigação, estudo e ninguém quer fazer isso.” Ter uma religião deveria ser equivalente a ser uma luz para si mesmo, sem a influência de uma autoridade espiritual externa que nos diga em que acreditar e como acreditar. Krishnamurti chega a apelar aos seus ouvintes que nem a ele encarem como uma autoridade externa a seguir.
Quando Krishnamurti fala em tradições, em padrões que são seguidos acriticamente, refere-se igualmente ao respeito pelo sistema de castas, pelos costumes, rituais, frequência dos templos. Só é possível descobrir uma verdadeira vida religiosa se houver coragem para abandonar aquilo que nos aprisiona, que nos condiciona. Sem este desapego, a liberdade de pensamento não é real.
A paz, o fim do medo fonte de violência, encontramos ao diluir, ou, destruir, nosso (competitivo e combatente) ‘eu’ (uma gota) num oceano de nome vida???
A gota, ou. A ex gota, ora integrada ao oceano, deixa de ter adversários e, assim, encontra a paz???
Ou, não encontra porque não mais procura, uma vez que não mais existe, e o nada nada tem a buscar, nem mesmo a felicidade, ilusão criada pela mente???
Excelente texto e vídeo sobre a vida de Krisnamurti. Obrigada Carla Rizzo