«Também na atualidade, quando são prosseguidas, como em Portugal e na Europa em geral, políticas de austeridade que afectam fortemente os interesses imediatos dos cidadãos, tem regressado a tese do fim das ideologias, agora na versão também antiga – na verdade, do século XIX -, mas muito recorrente, da tecnocracia. Ignorante da realidade histórica do constitucionalismo democrático e do pluralismo a ela associado, a tecnocracia hoje vigente, ou tecnocratismo, é uma ideologia especialmente perigosa porque se pretende totalizante, ou única, colocando-se fora das oposições ideológicas normais e do jogo democrático. Na verdade, esta tecnocracia é muitas vezes apenas um modo de contrabandear uma qualquer outra ideologia que não se quer assumir abertamente e usa o “escudo” tecnocrático como disfarce, ou seja, como falsa consciência.
Se, como dissemos no início, não existe ação política não mediada pela ideologia, é desejável que esta se apresenta na sua forma mais despojada, como alternativa entre outras alternativas, como ideologia entre outras ideologias, e não como “alternativa única” ou “ideologia da inexistência ou inanidade das ideologias”. Se assim não acontecer, o regime constitucional e democrático perderá a sua característica mais assinalável, i.e., um pluralismo marcado desde a sua génese por mudanças e permanências e, assim também, a possibilidade de se regenerar e garantir a sua continuidade no futuro.»
João Cardoso Rosas, «Mudanças e permanências na linguagem ideológica contemporânea», in Ideologias Políticas contemporâneas, Almedina, 2013.
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