Também me parece, que afirmando que as coisas são boas tão-só por vontade divina e não por regra de bondade, se destrói, sem em tal pensar, todo o amor e glória de Deus. Para quê louvá-lo, portanto, pelo que fez, quando seria por igual digno de louvor se fizesse precisamente o contrário? Onde estará, pois, a sua justiça e sabedoria, se afinal apenas fosse determinado por um poder despótico, se a vontade substituísse a razão, e se, conforme a definição dos tiranos, o que agrada ao mais forte fosse por isso mesmo justo? Para além disso, parece que toda a vontade supõe alguma razão de querer, razão esta naturalmente anterior à vontade. Eis a causa de me parecer inteiramente estranho o pensar de alguns outros filósofos quando concederam simples efeitos da vontade de Deus as verdades eternas da metafísica e da geometria, e por conseguinte, também as regras da bondade, da justiça e da perfeição. A mim, pelo contrário, parecem-me tão só consequências do seu entendimento, o qual seguramente em nada depende da sua vontade, bem assim como a sua essência.
Leibniz, Discurso de metafísica, tr. Miguel Real, Lisboa Editora, p. 77.
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