Supõe que estás na bicha de uma cantina e que, quando chegas às sobremesas, hesitas entre um pêssego e uma grande fatia de bolo de chocolate com uma cremosa cobertura de natas. O bolo tem bom aspecto, mas sabes que engorda. Ainda assim, tiras o bolo e come-lo com prazer. No dia seguinte vês-te ao espelho, ou pesas-te, e pensas: «Quem me dera não ter comido o bolo de chocolate. Podia ter comido antes o pêssego.» “Podia ter comido antes o pêssego.” Que quer isto dizer? E será verdade? Havia pêssegos quando estavas na bicha da cantina: tiveste a oportunidade de ter tirado antes um pêssego. Mas não é apenas isso que queres dizer. Queres dizer que podias ter tirado o pêssego em vez do bolo. Podias ter feito algo diferente do que realmente fizeste. Antes de te teres decidido, estava em aberto se havias de tirar fruta ou bolo, e foi apenas a tua escolha que decidiu qual dos dois havias de comer. […] Algumas pessoas pensam que a responsabilidade pelas nossas acções requer que elas sejam determinadas, em vez de requerer que não o sejam. O que se afirma é que para que uma acção seja algo que tenhas feito tem de ser produzida por certos tipos de causas em ti. Por exemplo, quando escolheste o bolo de chocolate, isso foi algo que fizeste, e não algo que se limitou a acontecer, porque preferiste comer um bolo de chocolate a comer um pêssego. Porque o teu apetite por bolo de chocolate nessa altura era mais forte do que o teu desejo de evitares ganhar peso, o resultado foi teres escolhido o bolo. No caso de outras acções, a explicação psicológica será mais complexa, mas haverá sempre uma — caso contrário, a acção não seria tua. Esta explicação parece querer dizer que aquilo que fizeste estava, afinal, determinado à partida. Se não estivesse determinado por nada, seria apenas um acontecimento por explicar, algo que teria acontecido a partir do nada, em vez de algo que tivesses feito. De acordo com esta posição, a determinação causal, por si só, não ameaça a liberdade — só um certo tipo de causa o faz. Se pegasses no bolo porque alguém te tinha obrigado, então a escolha não teria sido livre. Mas a acção livre não requer de modo algum que não haja uma causa determinante. Quer antes dizer que a causa tem de ser de um certo tipo psicológico que nos é familiar. Por mim, não posso aceitar esta solução. Se pensasse que tudo o que faço é determinado pelas circunstâncias em que me encontro e pelas minhas condições psicológicas, sentir-me-ia encurralado. E, se pensasse o mesmo de todas as outras pessoas, pensaria que elas eram marionetas. Não faria sentido considerá-las responsáveis pelas suas acções, tal como não consideras responsável um cão, um gato ou mesmo um elevador. Por outro lado, não tenho a certeza se compreendo como é que a responsabilidade pelas nossas escolhas faz sentido se elas não são determinadas. Não é claro o que quer dizer que eu determino a escolha se nada em mim a determina. Portanto, talvez o sentimento de que podias ter escolhido um pêssego em vez de uma fatia de bolo seja uma ilusão filosófica, que não podia ser correcta, fosse qual fosse o caso. Para evitar esta conclusão, terias de explicar (a) o que quer dizer a afirmação de que podias ter feito outra coisa diferente daquilo que fizeste e (b) como é que tu e o mundo teriam de ser para que isso fosse verdade.
THOMAS NAGEL, Que Quer Dizer Tudo Isto, Gradiva, pp 45-53
Na caso essa liberdade está ligada as escolhas de fazendo no dia a dia, não seria isso?