“Com efeito, na sua forma clássica, o determinismo defende que todo o efeito possui uma causa situada na natureza. Esta causa é, ela mesma, necessariamente o efeito de uma outra causa também presente na natureza que, consequentemente, é por sua vez efeito de outra causa e assim sucessivamente…
Isto tem como consequência que o determinismo seja, como ideia, insustentável: ou detém a cadeia das causalidades, como Leibniz faz ao propor uma causa primeira (Deus, a Natureza, a História ou qualquer outra coisa que queiram), mas, no exacto momento em que finalmente se quer fundar o determinismo, está-se a negá-lo porquanto esta causa primeira, não tendo causa, infringe-o logo que é proposta (dado que o determinismo, ao afirmar que toda a causa tem uma causa, é obrigado a rejeitar a ideia de uma causa inicial); ou deixa-se aberta a regressão até ao infinito, o que significa que o efeito nunca é determinado nem explicado, dado que não é possível considerar que uma explicação que se perde no infinito seja uma verdadeira explicação. Paradoxalmente, o determinismo revela-se, também, tão indemonstrável, tão impensável como a sua inversa (a hipótese de uma liberdade de escolha permitindo inaugurar séries de acções no mundo). (…)
Se se quiser ser verdadeiramente racionalista, é necessário, parece-me, manter o determinismo no plano teórico – científico – não como uma verdade ontológica que valeria pelas coisas em si, mas como um princípio metodológico indefinidamente aplicável, e, por outro lado, conservar a ideia de liberdade como um postulado, também ele certamente indemonstrável e infalsificável, mas de que não é necessário nem desejável, de um ponto de vista ético, abster-se. Porque parece, no mínimo, claro que a ideia de ética normativa é absolutamente incompatível com a hipótese de um determinismo ontológico generalizado.”
Luc Ferry, O que é o Homem, Edições Asa, pp. 75, 76.