Rosenhan e sete outras pessoas normais conseguiram ser admitidos como pacientes em diferentes hospitais dos Estados Unidos. Cada pseudopaciente chega ao hospital com a mesma queixa, ouvia vozes que diziam “vazio”, “côncavo” ou “estrondo”. Utilizavam pseudónimos e, às vezes, mentiam relativamente às suas profissões, mas em todos os restantes aspectos referiam as suas histórias de vida e as circunstâncias reais. Todos eles, excepto um. foram admitidos nos hospitais psiquiátricos com o diagnóstico de esquizofrenia. Uma vez admitidos. o comportamento dos pseudopacientes era completamente normal. Diziam que já não ouviam vozes e que se sentiam muito bem.
Em nenhum dos casos o pessoal do hospital detectou o logro. O facto de os pseudopacientes se comportarem de forma perfeitamente normal em nada ajudou, pois tudo o que faziam era interpretado em consonância com o diagnóstico original Por exemplo, todos os pseudopacientes tiravam muitos apontamentos. Inicialmente, faziam-no de forma sub-reptícia mas cedo verificaram que não era necessário ser-se circunspecto. Tirar apontamentos era visto apenas como mais uma manifestação da perturbação. Num relatório típico da enfermeira podia ler-se. «O paciente entrega-se a comportamentos de escrita”. Nunca ninguém indagou o que escreviam e porquê; presumivelmente era entendido como um aspecto de ser esquizofrénico.
Uma vez rotulados. os pacientes foram alvo do mesmo tipo de negligência de que todos os outros pacientes eram. Sentiam-se despersonalizados e impotentes. Davam-lhes muitos comprimidos (que deitavam pela sanita abaixo) mas tinham muito pouco acesso aos técnicos. A média diária de contacto com psiquiatras, psicólogos, estagiários e médicos era, por junto, de 6,8 minutos.
Antes do início do estudo, todos os pseudopacientes haviam concordado tentar obter alta sem recorrer a auxílio exterior, convencendo os responsáveis hospitalares de que já estavam bons mas sem admitirem o logro inicial. Descobriram que era mais fácil entrar do que sair. Em média, foram necessários dezanove dias e, num dos casos, cinquenta e dois. Quando finalmente tiveram alta, foi com o diagnóstico de esquizofrenia em remissão”. O que significa que não existem sintomas, pelo menos de momento. A validade do diagnóstico original nunca foi posta em causa.
Os resultados de Rosenhan apresentam um quadro nada lisonjeiro das condições nos hospitais psiquiátricos e emprestam nova força aos protestos sociais e exigências de reforma. Também demonstram que um «rótulo» diagnóstico pode reforçar a concepção preexistente relativa ao que um paciente é. Mas será que, na realidade, demonstram que a distinção entre são e não-são depende exclusivamente do rótulo e que a doença mental é um mito?
A resposta é não. Consideremos a situação do ponto de vista do psiquiatra. Um paciente tinha alucinações auditivas ao ser admitido no hospital. Este sintoma desaparece rapidamente. Que vão fazer os psiquiatras? A ideia do logro nunca lhes ocorrerá. (Ao fim e ao cabo, quem seria suficientemente paranóico para suspeitar de que se tratava de uma experiência psicológica?) Nestas circunstâncias, devem concluir que o paciente sofre ou sofria de uma perturbação psicótica, talvez esquizofrenia, e devia ser submetido a nova observação, O facto de os últimos actos do paciente serem interpretados em termos do diagnóstico original torna-se perfeitamente compreensível. Há alguns dias, ouvia vozes; então, a sua actual sanidade é provavelmente mais aparente do que real. Vistos a esta luz, os actos dos psiquiatras não parecem tão irracionais como isso.
Anthony Giddens, “Sociologia”, Fundação Calouste Gulbenkian