RETÓRICA (in. Rhetoric; fr. Rhétorique, ai. Rhetorik, it. Retórica). Arte de persuadir com o uso de instrumentos lingüísticos. A R. foi a grande invenção dos sofistas, e Górgias de Leontinos foi um de seus fundadores (séc. V a.C).
O diálogo de Platão intitulado Górgias insiste no caráter fundamental da R. sofista: sua independência em relação à disponibilidade de provas ou de argumentos que produzam conhecimento real ou convicção racional. O objectivo da R. é “persuadir por meio de discursos os juizes nos tribunais, os conselheiros no conselho, os membros da assembleia na assembleia e em qualquer outra reunião pública” (Górg., 452 e); portanto, o retórico é hábil “em falar contra todos e sobre qualquer assunto, de tal modo que, para a maioria das pessoas, consegue ser mais persuasivo que qualquer outro com respeito ao que quiser” ilbid., 457 a). Assim entendida, a R. pareceu a Platão mais próxima da arte culinária que da medicina: mais apta a satisfazer o gosto do que a melhorar a pessoa {Ibid., 465 e). Platão opôs a ela a R. pedagógica ou educativa, que seria “a arte de guiar a alma por meio de raciocínios, não somente nos tribunais e nas assembleias populares, mas também nas conversações particulares” (Fedro, 26 1 a); no entanto, a R. assim entendida identifica-se com a filosofia. Portanto, Platão não atribuiu à R. uma função específica. Isso, na verdade, foi feito por Aristóteles, que a considerou em íntima relação com a dialética, como se fosse a contrapartida desta (Ret., I, 1, 1354
a. 1). Segundo Aristóteles, a R. é “a faculdade de considerar, em qualquer caso, os meios de persuasão disponíveis” Ubid., I, 2, 1355 b 26). Enquanto qualquer outra arte só pode instruir ou persuadir em torno de seus próprios objetos, a R. não se limita a uma esfera especial de competência, mas considera os meios de persuasão que se referem a todos os objetos possíveis ilbid., I, 2, 1355 b 26). Portanto, a R. haure da Tópica a consideração dos elementos prováveis (os que têm capacidade de persuadir) e fornece as regras para o uso estratégico de tais argumentos.
Esse conceito de R., estabelecido por Aristóteles, prevaleceu por muitos séculos. O humanismo ressaltou a
importância da R., na qual identificou, segundo o exemplo de Platão e Cícero, um valor substancial (cf. Testi
umanistici sulla R. de M. Nizolio, F. Patrizi, P. Ramus, org. por E. GARIN, P. ROSSI, E. VASOLI, 1953). Com P. Ramus, a tarefa da R. volta a ser substancialmente a que já lhe fora atribuída por Aristóteles: “A técnica de persuasão, que Ramus estuda nos textos de Cícero, essa capacidade de usar a linguagem para criar as expressões mais bem feitas e tecnicamente elaboradas, deve contudo estar sempre unida ao exercício da filosofia, à qual está confiada a construção essencial de todos os princípios cognitivos, com o uso da dialética. Por isso, à R., entendida no significado mais técnico e particular, Ramus só concederá as duas funções propedêuticas da elocutio e da pro-nunciatio(…), ao passo que, contra as opiniões de Quintiliano e de Cícero, atribuirá à dialética a tarefa de organizar a verdadeira substância do discurso lógico” (E. VASOLI, Op. cit., pp. 117-118). Depois do florescimento do Renascimento, a sorte da R. decaiu, chegando ao desaparecimento quase completo que a caracterizou no séc. XIX. O dogmatismo racionalista iniciado por Descartes e adotado maciçamente no séc. XLX foi a maior causa da decadência da retórica.
Onde a razão é tudo e pode tudo, uma arte que busque seus instrumentos da persuasão obviamente está deslocada. Por isso, não admira que, com o abandono do dogmatismo racionalista, a R. volte hoje a ser homenageada como a arte clássica da persuasão, mas com a ressalva de que deve levar em conta uma multiplicidade de condições. O Traité de argumentation de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1958) começa com as seguintes palavras: “A publicação de um tratado dedicado à argumentação e sua vinculação com a velha tradição da R. e da dialética gregas constituem a ruptura com a concepção de razão e raciocínio que se iniciou com Descartes e deixou marcas na filosofia ocidental dos três últimos séculos.” Não há dúvida de que essa observação é correta. Se a razão é infalível e a investigação humana pode ser confiada às suas regras infalíveis em qualquer campo, não há lugar para a R., que é a arte da persuasão. Mas, se, na esfera do saber humano, a parte do incerto, do provável, do aproximativo é mais ou menos ampla, a persuasão pode ter alguma função e sua arte pode ser cultivada.
Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia
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