Descobri recentemente mais uma daquelas preciosidades financeiras que existem à vista de todos e sobre a qual ninguém parece reflectir (ou sequer conhecer). Foi pela mão de José Pedro Teixeira Fernandes no seu livro «A Europa em crise». Certas instituições financeiras tem proposto produtos diferentes dos que normalmente apresenta. A diferença consiste em que estes seguem à risca a xaria islâmica. Deixo aqui um excerto da descrição desta situação por José Fernandes e faço minhas as interrogações finais do autor.
«O mundo financeiro, bem como alguns governos – ao que tudo indica sob influência ou pressão de lobbies financeiros com interesses nesta área -, procura apresentar ao público europeu a finança islâmica como uma oportunidade de negócio interessante, particularmente neste período de crise. Paralelamente, são desvalorizadas as questões levantadas pela sua base religiossa (e ideológica) e pela necessidadede conformidadedas instituições e produtos com a xária islâmica. Tais aspectos são apresentados como detalhes secundários ligados à promoção da “diversidade cultural”, ou, então, ligados à necessidade de alinhamento do negócio com a “ética”. (…)
A configuração da finança islâmica deve-se, sobretudo, a ideólogos do islamismo radical do século XX, como Mawdudi Qutb, ou Khomeini. O seu intuito notório é o da recusa da modernidade secular, europeia e ocidental. Na sua essência, trata-se de uma recriação do velho preconceito religioso antijuro com tonalidades islâmicas. Mais: a configuração e controle da religiosidade de produtos financeiros “islamicamente corretos” implica, entre outras coisas, a existência nas instituições financeiras – ou o recurso como consultores externos – de clérigos muçulmanos (…). Este certificam e exercem um controlo dessa conformidade com a xária. (…) Usando similares argumentos, seríamos levados a concordar com a reintrodução da teologia cristã sobre o juro, anterior ao século XIX, a promover a criação de instituições bancárias e de produtos financeiros em estrita conformidade com o direito canónico. Não existe, sequer, tal pretensão da Igreja Católica. Todavia, se existisse, não veríamos isso como um retrocesso? Então, por que razão devemos abrir brechas na legislação secular e aceitar produtos financeiros regulados por princípios teológicos islâmicos?» (pp.79,80)