A Importância da Intenção

Segundo os consequencialistas, a distinção entre aquilo que um agente pretende e aquilo que ele sabe ou prevê é, quando muito, uma distinção verbal sem relevância moral. Afinal, se o que interessa são as consequências ou efeitos das ações, como pode uma simples diferença no estado mental de uma pessoa ser relevante? A resposta a esta crítica é que, pelo contrário, há uma diferença enorme entre intenção e previsão (incluímos na última estados cognitivos como a crença e o conhecimento). Longe de ser uma mera diferença verbal, esta é uma diferença profunda enraizada na natureza das coisas que altera completamente a constituição de uma ação. Na verdade, altera a própria identidade de uma ação, pois a própria caracterização daquilo que o agente faz depende daquilo que ele pretende. Está o médico a tentar pôr fim à dor do paciente? Ou está a tentar matar o paciente? O que pretende ele? Não pode haver uma diferença mais importante para avaliar o comportamento do médico.

No entanto, seria errado inferir, a partir da importância central da intenção na avaliação moral, que, quando um agente realiza uma ação e prevê simplesmente um certo resultado em vez de o pretender, se livra assim de qualquer responsabilidade. Considere-se um médico que, para tratar um paciente com uma doença sem gravidade, como uma vulgar infeção, prescreve um medicamento muito perigoso, prevendo que este pode muito bem curar a infeção, mas que também provocará provavelmente um ataque cardíaco. Poderá ele livrar-se da responsabilidade pelo mau efeito, dizendo que não pretendia provocar um ataque cardíaco, mas simplesmente curar a infeção? Obviamente, diríamos que não. Ele pode não ser culpado de matar intencionalmente o paciente caso este morra, mas foi pelo menos extremamente negligente, ou mesmo até muitíssimo imprudente, pela sua indiferença em relação a esse efeito colateral grave, o que gera um grau elevado de culpabilidade. […] Assim, temos de reconhecer outros elementos na distinção entre intenção e previsão que indiquem o seu papel ético apropriado.

Podemos dizer que é permissível realizar uma ação, prevendo-se um mau efeito, apenas quando se verificam certas condições. […] Em primeiro lugar, a ação não pode ser intrinsecamente errada (prescrever um medicamento para curar uma doença não é intrinsecamente errado). Em segundo lugar, algo de bom tem de resultar do ato (como a cura da infeção […]), e esse bom efeito não pode ser causado pelo mau efeito, pois um axioma da moral é que os fins não justificam os meios (o risco de ataque cardíaco não é um meio que o médico use para curar a infeção; é antes um efeito colateral independente). Em terceiro lugar, o agente tem de pretender apenas o bom efeito (curar a gripe), pois é errado pretender um mau efeito (o risco de ataque cardíaco, que neste caso é apenas previsto). Por fim, o agente tem de ter, no bem que ele pretende, uma razão suficientemente forte para permitir que o mau efeito também resulte do seu ato, pois é errado permitir um mal sem uma tal razão. Neste caso, o médico não tem uma razão suficientemente forte para permitir o risco de ataque cardíaco, pelo que, sem dúvida, agiria erradamente se prescrevesse um medicamento que envolvesse esse risco sem qualquer outro propósito.

David Oderberg, Ética Aplicada, 2000, trad. de Pedro Galvão

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