É impossível não usar adjectivos ao analisar música. Mesmo que os consideremos «semelhanças familiares» wittgensteinianas e não categorias aristotélicas.
Uma conclusão que alguns filósofos retiram das teses de Wittgenstein é a de que a crítica musical deveria ser apenas comparação de semelhanças e diferenças entre os objectos artísticos. Encaixá-los em categorias não é possível. É a rejeição do esquema aristotélico classificativo do real em géneros e espécies.
«Esta música é bela!» Esta afirmação encaixa o objecto «esta música» no interior do conceito de Belo. O problema que depois de Wittgenstein não se pode ignorar é este: «como definir esse conceito de Belo?», «Que características deve ter um objecto para poder ser classificado de Belo?» (Mais problemático ainda: que características deve ter um objecto para ser considerado arte?).
Uso portanto adjectivos sem com eles querer significar categorias. Portanto, se considero belo o album Duality de Lisa Gerrard e Pieter Bourke, e considero belo o album The Way up de Pat Metheny, não estou necessariamente a pensar na mesma beleza.
Isto é, o uso da mesma palavra pode não corresponder à mesma sensação estética.
Então para quê escrever sobre arte? Ou sobre outra coisa qualquer?
Escrevendo fazemos comparações aproximadas entre os objectos que pretendemos nomear. E entre eles e certas qualidades.
Um exemplo: Li no Expresso uma crítica sobre o album The Opiates de um grupo pop-rock norueguês chamado Anywhen. Corri imediatamente a comprar o album sem ter ouvido uma única nota. A tal crítica, por entre adjectivos, comparava aquela música a mais de uma dezena de artistas que eram do meu agrado (Sylvian, Cave, Cale, Cohen, …). Curiosamente eu não relacionaria tão directamente aquela música com essas referências. Comparar não é definir inequivocamente. É apontar uma direcção vaga.
(Publicada por Rui Areal em Sexta-feira, Maio 20, 2005 no blog musicareal.blogspot.com)
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