Felizmente o panorama editorial português está cada vez mais rico em edições filosóficas. Algumas, aliás, bem úteis à leccionação da disciplina de filosofia (e outras afins). É o caso deste livro de Peter Cave que apresenta diversos casos problemáticos e os analisa filosoficamente. Um dos «enigmas filosóficos» mais curioso apresentado no livro é o caso de alguém que comete um crime mas que é inocente (desse mesmo crime)(p.57). No entanto, dados os temas leccionados em filosofia, o caso que aqui se apresenta possui mais pertinência didáctica. Fica então um exemplo e a sugestão de o aproveitar para a discussão em sala de aula. O que deverá fazer o leitor nesta situação?
«O leitor é um cirurgião – e um pouco filósofo. É o chefe de uma equipa de primeira linha de especialistas em transplante de órgãos, com um registo imaculado de resultados de sucesso. Na sua lista de espera encontram-se quatro jovens, todos desesperadamente doentes e a precisarem urgentemente de transplantes sem os quais morrerão em breve. Andrea precisa de um transplante de fígado, Barry de coração, Clarissa de pâncreas e Donald de pulmões. Não existem doadores disponíveis. O leitor está desesperado. Não entrou em medicina por dinheiro; queria ajudar as pessoas e melhorar as suas vidas, e agora encontra-se diante de quatro jovens que estão a morrer. Eles não fizeram nada de errado; teriam vidas longas e felizes à sua frente, se não fosse a doença. Se ao menos houvesse órgãos disponíveis, ficavam todos bem – uma vez que o leitor já ultrapassou os problemas de compatibilidade de tecidos, rejeição e por aí fora.
Quando está prestes a dizer aos seus pacientes que não há esperança, apercebe-se da entrada do novo recepcionista – por sinal, um jovem, Eric. Sabe, pela sua ficha médica, que é saudável. Os seus olhos adquirem um brilho. Pede a Eric que o acompanhe à sala de cirurgia, para lhe mostrar as instalações, claro, claro… O seu raciocínio silencioso é:
‘Quero fazer o meu melhor pelo maior número possível de pessoas. Ao matar Eric, tenho a possibilidade de distribuir os seus órgãos pelos jovens Andrea, Barry, Clarissa e Donald, salvando as suas vidas. É verdade, o mundo deixa de ter Eric; isso é mesmo uma triste perda. Mas ganhou outras quatro vidas. Quatro pelo preço de uma é um óptimo negócio.’»
Peter Cave, Duas vida valem mais do que uma? – Enigmas filosóficos que o vão surpreender,
tr. Maria Campos, Academia do Livro, pp. 23, 24.
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