Relativismo cultural

Não temos a possibilidade de compreender as ações de outros grupos se as analisarmos em termos de nossos motivos e valores; precisamos interpretar seu comportamento à luz de seus motivos, hábitos e valores para que possamos compreendê-las. Consideremos, por exemplo, como se ministra justiça no Extremo Norte. A Polícia Montada do Canadá ocasionalmente é chamada para penetrar na região ártica e prender esquimós que cometeram um assassinato. Em termos de nossa cultura, esta ação é um crime e o indivíduo violou as normas. Entretanto, na cultura de muitas tribos esquimós, matar pode ser justificado, já que suas normas exigem que um homem vingue uma ofensa cometida contra um parente. Este tipo de vingança não é considerado como desordenado ou desviante; é a única espécie de ação que um homem honrado pode encetar. Nós condenaríamos o homem que toma a lei em suas próprias mãos e busca vingança, ao passo que eles condenariam o homem que tem tão pouca coragem e lealdade de grupo a ponto de permitir que seu parente não seja vingado. Poucos traços culturais são tão perturbadores para a maioria dos norte-americanos quanto as práticas primitivas de caçar cabeças — que parece ser um passa¬tempo inútil e sanguinário. Mas este traço, aparentemente em todos os lugares, tem um significado bastante complexo. Os marindeses da Nova Guiné, povo bastante gentil e afetuoso, caçava cabeças a fim de conseguir nomes para seus filhos. Porque acreditavam firmemente que a única maneira pela qual uma criança podia obter um nome e uma identidade separada era tomando-os de uma pessoa vivente, caçavam cabeças entre as tribos vizinhas. Um marido marindês tinha a obrigação moral de ter um ou dois nomes-cabeça à mão, para o caso de ser presenteado com um filho. Assim, a caça a cabeças, como qualquer outro traço importante, achava-se profundamente integrada no sistema cultural total, onde era moral e necessária. Estas ilustrações mostram o que queremos dizer com relativismo cultural — que a função e o significado de um traço são relativos a seu ambiente cultural. Em si mesmo, um traço não é bom nem mau. É bom ou mau apenas com referência à cultura em que deve funcionar. As roupas de pele são boas no Ártico, mas não nos trópicos. A gravidez pré-conjugal é coisa má em nossa sociedade, onde os costumes a condenam e onde não há condições favoráveis para cuidar de filhos ilegítimos; a gravidez pré-conjugal é boa em uma sociedade como a dos Bontocs, nas Filipinas, que consideram que uma mulher é tanto mais indicada para o casamento quando sua fertilidade já ficou comprovada, e que dispõe de um conjunto de costumes e valores que proporcionam segurança para os filhos. As adolescentes nos EUA são prevenidas de que melhorarão seu poder de barganha conjugal evitando a gravidez até que se casem. As adolescentes na Nova Guiné recebem conselho oposto e, em cada ambiente, provavelmente o conselho é correto. O individualismo rude e a simplicidade rural da primitiva América produziriam grande desemprego se fossem amplamente praticados em nossa atual economia de produção em massa. De tais exemplos vemos que qualquer traço cultural é socialmente “bom” se actuar harmoniosamente dentro de seu ambiente cultural para a consecução das metas que as pessoas estão buscando. Este é um teste não-etnocêntrico e eficaz sobre o que um traço cultural tem de bom ou mau. 0 conceito de relativismo cultural não significa que os costumes são igualmente valiosos nem tampouco implica que não haja costumes nocivos. Alguns padrões de comportamento podem ser prejudiciais em qualquer meio, mas até mesmo eles podem servir algum propósito na cultura, e a sociedade sofrerá se lhe proporcionarem um substituto.

Paul Horton, “Sociologia”, McGraw-Hill Brasil, São Paulo

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2 Comments

  1. Olá.
    Escrevi uma redação sobre relativismo social a tempos atrás, e particularmente, não fui muito bem, porém, fiquei com o tema encafifado na consciência e decidi pesquisar sobre ele, ter mais noções sobre o assunto e tirar minhas conclusões, já que é isso que a sociedade e o mundo precisam, de debates inteligentes e sem hipocrisia sobre o relativismo cultural. No entanto, o seu texto aborta o relativismo cultural como algo bom para a sociedade e as pessoas, já que cada pessoa acredita e segue aquilo que bem entender que seja correto. Mas como podemos concordar com algo que extrapola os limites da ética e da moral e dos direitos humanos, firmemente defendido pelos célebres Sócrates, Demócrito, entre outros?
    Como podemos concordar com a ignorância de alguns para com os outros, se não passa apenas de pretexto a extravasar os mais primitivos sentimentos do bicho homem, como a raiva e a sede por violência; peguemos como exemplo, as lutas nas gaiolas que são televisionadas, transmitidas e acompanhadas por legiões de fãs apaixonados, O UFC. E se relembrarmos os períodos históricos, podemos até generalizar, todos foram marcados por violências de diversas formas, apenas tendo guia do ser seus instintos animais.
    O que devemos pensar, é se as pessoas gostam de sentir dores, de serem humilhadas, abandonadas, entre outras formas de opressão e minimização do individuo como integrante de uma sociedade desenvolvida tecnologicamente. Tenho a convicção de que um ser que age, prejudicando, comprometendo a integridade do outro deva ser punido sim, já que os direitos humanos devem ser cumpridos por qualquer pessoa, já que todos somos seres e temos nossas fraquezas e virtudes a zelar. Não devemos tampar os olhos e deixar que atrocidades como apedrejamentos, mutilações, entre milhares de outros meios de violência gratuita, continuem dominando os seres indefesos, apenas para os mais fortes e poderosos mostrarem sua soberba. Como você, criador do blog é uma pessoa estudada e inteligente, devemos debater o assunto, já que se trata de algo tão polêmico e atual. Agradeço desde já pela oportunidade expressar minha opinião.

  2. Em relação ao comentário anterior:
    Lembrando que esses célebres pensadores mencionados, iluministas, são de valores e cultura ocidentais; logo, não devem servir de base para um cultura predominantemente oriental. Assim como os Direitos Humanos, assegurados pela ONU no cenário pós 2 Guerra Mundial, onde os países considerados “corretos”formalizam uma série de declarações pautadas na dignidade humana, como se todas as culturas estivessem mescladas num ideal pró-ocidental.

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