3) Conclusão – Como considerar doutrinas tão opostas, como são o empirismo e o inatismo?
Em primeiro lugar reconheçamos, com o empirismo, a influência que exerce a vida social na formação da consciência. A delicadeza e finura moral que, em certas pessoas, a consciência atinge, é, em grande parte, uma aquisição, em que a experiência tem papel predominante. A consciência está inserida, no real, e só progride na medida da sua mesma inserção.
Simplesmente, a influência social pode exercer-se na consciência por dois modos: ajustamento e desajustamento… Exige o ajustamento (pressão social), mas produz o desajustamento (contradições geradas na vida ou jogo social). Ora, pelo ajustamento se explica a «normalização» dos valores e, portanto, a estabilização da consciência. Mas a sua «renovação» (e evolução) .só pode explicar-se pelos «desajustamentos» entre a consciência e o meio.
Se o homem fosse um ser totalmente ajustado, a consciência cristalizaria, imóvel, e a fonte dos valores secava. É da consciência desajustada (e infeliz), que os valores dimanam. Para exemplificarmos: só aquele que sofre a injustiça, ou a opressão (desajustamentos fundamentais) pode apreender e revelar o valor da justiça e da liberdade (valores igualmente fundamentais). A intensidade dos valores cresce com o desajustamento; o ajustamento, ao contrário, produz a saturação.
E assim, o meio só indirectamente colabora na criação dos valores, e no progresso da consciência, pelas situações de desajustamento que produz – já que todo o desajustamento é um estímulo à invenção, e ao progresso. Em tais condições, a consciência moral não é apenas reflexo do modo de ser social, mas [acto: que remove o corpo social. Não simples espelho dos costumes, mas fonte de valores, não apenas um produto social, mas também e sobretudo uma conquista pessoal.
Ora, se o empirismo explica a consciência, na parte em que ela é um produto das condições sociais, o inatismo constitui posição válida, na medida em que pressupõe virtualidades pessoais inatas, e postula, na consciência, possibilidades de transcender os quadros sociais, em que se insere, mas de que, simultaneamente, se evade.
Em conclusão: o inatismo vê na consciência a condição prévia e única da moralidade. O empirismo vê apenas na consciência o produto da vida social. Mas a verdade é que ela é ambas as coisas: simultaneamente a condição e a consequência da acção moral, produto social e conquista pessoal.